Livros: a aventura da autopublicação

Como quatro autores criaram selo editorial alternativo, lançaram suas obras sem intermediários e podem ser seguidos por gente como você

Feira Plana, evento de venda de livros, fanzines e impressos independentes que acontece anualmente em São Paulo

Feira Plana, evento de venda de publicações independentes que acontece anualmente em São Paulo

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Como quatro autores criaram selo editorial alternativo, lançaram suas obras sem intermediários, tiveram êxito e podem ser seguidos por gente como você

Por Daniel Cariello

Em 2007, fui morar na França. Meu francês se limitava a “croissant” e “quatre-vingt”, que significa “oitenta” e eu conhecia porque achava muito estranho eles dizerem “quatro vinte”, fazendo conta para falar um número. As descobertas iniciais na nova casa foram tão intensas que criei o site Chéri à Paris, no qual postava crônicas semanais sobre a vida de um brasileiro na terra do fromage. Logo elas passaram a ser republicadas por veículos como Outras Palavras, Le Monde Diplomatique online, Magazine Brazuca (em Paris) e UOL.

CHERIPARIS_Capa_F02.inddUm ano depois, recebi e-mail de uma editora: “Adoramos seus textos. Avise-nos se quiser lançá-los em livro”. Claro que queria, era o meu sonho! Respondi na hora e já passamos à discussão de detalhes do contrato. A dona da instituição me confessou ser apaixonada por tudo o que diz respeito à França. Desconfio que era também interessada por druidas e suas magias, pois, assim como apareceu do nada, sumiu pouco tempo depois, sem deixar vestígios. Verdadeira Panoramix moderna.

Se a poção mágica de sumiço que ela tomou me deixou triste por um lado, por outro me motivou a fazer um projeto enviá-lo a editoras, escritores, críticos e a todo mundo que tivesse alguma relação com o mercado editorial. O que não sabia, no entanto, é que aquela recusa era apenas a primeira de uma longa série de “não, obrigado”, “não há interesse por crônicas”, “não há planos de novos lançamentos esse ano” e diversas outras variações introduzidas pelo monossílabo de negação. Cansado, quase desisti de publicar o Chéri à Paris.

Autopublicação?

“Daniel, você precisa lançar um livro”, dizia a lacônica mensagem que recebi às 23h de uma terça-feira vulgar de setembro do ano passado, enviada pelo amigo e escritor Yury Hermuche. De bate pronto, devolvi o desafio. “Ok, mas só se você também escrever um e lançarmos juntos”. Ele topou. E aí me dei conta de que não tínhamos editora. E eu não sentia nenhuma vontade de correr atrás novamente. “Pra quê?”, ele perguntou. “Autopublicação. Você vai ser seu próprio editor. E a tiragem se paga rapidamente, você vai ver”.

A rua de todo mundo - Carolina NogueiraA ideia de convidar as amigas Carolina Nogueira e Gabriela Goulart Mora a participarem com a gente foi natural. Achei que tinha tudo a ver elas colocarem no papel um pouco de suas experiências distantes: Carolina, em Paris; Gabriela, na Índia. Terminamos os quatro livros no tempo recorde de dois meses. E decidimos criar um selo para reuni-los. Afinal, se a amizade nos unia, a temática dos livros (distância, estranhamento e viagens) também nos era comum.

O selo Longe já nasceu com os genes da independência e da autopublicação, bem explícitos no manifesto publicado em nosso site: “Com todo respeito ao mercado editorial, (…) nosso negócio é outro. Queremos escrever livros, contar nossas histórias, compartilhar nosso universo – e queremos ser lidos. Só isso”. E continuamos: “Aliás, o gosto pelo papel também tem a ver com a decisão. Escolher a gramatura, a textura da folha que vai receber nossas ideias, a fonte com que serão compostas páginas (…) – por que diabos delegaríamos tudo isso a outra pessoa?”

Anti-heróis e aspirinas - Yury HermucheMas funciona?

E muito. A noite de lançamento do Longe reuniu mais de 1.000 pessoas no Cine Brasília, o cinema mais tradicional da cidade. Ali, vendemos 700 livros e praticamente pagamos as tiragens. Depois, como não temos distribuidora, criamos sites individuais e um coletivo, para o selo, onde os livros estão à venda. E firmamos parcerias com diversos pontos de comercialização, dentro e fora de Brasília.

O reconhecimento veio ainda de outras maneiras. Toda a mídia local escreveu sobre o Longe, assim como diversos veículos nacionais. Além disso, A Rua de Todo Mundo, da Carolina, foi escolhido para ser oficialmente lançado pela II Bienal do Livro e da Leitura, que ocorre em abril, em Brasília; Anti-heróis e Aspirinas, do Yury, teve mais de 100 mil downloads de seu e-book em inglês e de sua trilha sonora; e Depois das Monções, da Gabriela, ficou entre os 20 mais vendidos da loja Amazon, em março.

Já o Chéri à Paris foi destaque em veículos como Folha de S. Paulo, Estado de Minas, Diário de Pernambuco, Educar para Crescer, Rádio Senado e CBN. O e-book, que eu mesmo formatei e publiquei, foi duas vezes o mais vendido da loja Amazon. Entre livros físicos e digitais, Chéri já vendeu mais de 1,2 mil cópias em pouco mais de 3 meses, o que é um feito considerável para o mercado editorial tradicional. E quase heróico para o independente.

Depois das monções - Gabriela GoulartA iniciativa vem sendo tão bem sucedida que autores que antes apostavam na publicação tradicional, via editora e distribuidora, já estão nos contactando. A autopublicação é um caminho sem volta. E que vai longe.

Conheça:

Chéri à Paris – www.cheriaparis.com.br

Selo Longe – www.muitolonge.com.br

 

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4 comentários para "Livros: a aventura da autopublicação"

  1. Antonio Martins disse:

    Caro Fabiano,
    Por enquanto, ainda não editamos livros. Para falarmos melhor a respeito, escreva pra [email protected]. Abração!

  2. Bom dia.
    Gostaria de saber como divulgar meu livro como no exemplo do texto!
    Vocês fazem esse trabalho de assessoria pra projetar o livro no mercado? Ou o trabalho é unicamente a publicação dos livros?
    Grato.
    Fabiano Pereira.
    http://www.thesaurus.com.br/livro/3122/cartas-a-davi

  3. J.C.Abrão disse:

    Um artigo que incita as memórias
    Pessoal, vocês estão de parabéns por esta iniciativa. À medida em que eu lia o artigo, as minhas memórias iam se atualizando incitadas pela iniciativa empreendida por vocês e com os olhares meus voltados por iniciativas do passado que poderiam ser coroadas pela marca da atualização do escrito. Destaco aqui dois fatos vividos e realizados por nós: eu como professor e aluno(as) do antigo Ensino Primário. Vou direto aos assuntos. Primeiro com os alunos do 2o. ano Primário da Escola Júlia Lopes de Almeida, uma escola estadual de periferia de Osasco, homenageando às mães, em 1967. Reuni os alunos em pequenos grupos e lhes pedi que fizessem uma carta às Mães pela passagem do dia a elas dedicado. Eles escreveram pequenos e médios textos e eu, como professor, ajudei-os na correção gramatical. A intenção era a de encaderná-los em texto mimeografado em gráfica de Osasco para entregá-los como surpresa em sala de aula às mães que estivessem ou não presentes. Infelizmente não tive tempo para isto. À época eu cursava Pedagogia na FeUSP. Outra experiência semelhante foi com os alunos da 4a. série primária da Escola de Aplicação da FEUSP, em 1971. Eu lhes pedi como tarefa se reunirem em pequenos grupos e “bolarem” uma peça de teatro. Foi um trabalho, como diria a minha professora de Psicologia da Educação, “gratificante”. Pensei na publicação, e tenho certeza que os pais “topariam”, pois a maioria dos alunos tinha como pais ou mães Professores/as da USP. E seria o “máximo”, pois com certeza haveria uma “noite de autógrafo”… Também nesta experiência eu não tinha tempo para coordenar, pois estava cursando especialização em Administração Escolar após ter concluído História e Filosofia da Educação. No ano seguinte, 1972, no auge dos “anos de chumbo da ditadura”, fui convidado para lecionar no curso de Pedagogia do Centro Universitário de Corumbá, unidade integrante da Universidade Estadual de Mato Grosso (atual UFMS). Iniciativas como aquelas seriam arriscadas, pois já não se tratava de um ensino primário, mas de trabalhar, seja com poesia ou peça teatral, com o pensamento calcado na realidade social em que vivíamos. Entre alguns professores e à boca miúda, nós nos referíamos àquele Centro Universitário como uma “ilha de acadêmicos cercada de militares por todos os lados” (de um lado o 17o. Batalhão do Exército em Corumbá; e, de outro, o VI Comando Naval da Marinha em Ladário, cidade vizinha banhada pelo Rio Paraguai, da mesma forma que Corumbá… Hoje, convenhamos, os tempos tiveram as viradas que nos incitam a colocar em marcha o desafio que Hobsbawn lançou no seu último livro; COMO MUDAR O MUNDO? e que de uma forma ou de outra sempre esteve presente nas iniciativas dos que acreditam numa mudança para melhor.

  4. Luiz disse:

    “Queremos escrever livros, contar nossas histórias, compartilhar nosso universo – e queremos ser lidos. Só isso”
    É o que eu sinto também

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