Mapuches, os chilenos dos quais não falamos

Por defenderem seu território, resistindo a transnacionais, foram julgados pelas leis de Pinochet e presos. Agora, fazem greve de fome

.

Por Alain Devalpo, Le Monde Diplomatique | Traduzido por Cauê Seigne Ameni | Foto de Fred Jacquemot

São chilenos, cerca de trinta. Estão privados de liberdade e em ameaça constante de morte. Não são os mineradores bloqueados na mina situada ao norte do Chile, cujo drama a mídia relata. São os “PPM” — os “presos políticos mapuches”, como eles próprios se definem –, em greve de fome desde 12 de julho na penitenciaria do sul do país.

O Chile não está disposto a reconhecer sua composição multicultural e deixa pouco espaço de expressão a seus oito povos indígenas. A convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), único acordo internacional relativo aos povos indígenas, só entrou em vigor em setembro de 2009. Michèle Bachelet, presidenta do país entre 2006 e 2010, prometeu cumpri-la em sua campanha, mas esqueceu uma outra: a de não continuar aplicando a legislação antiterrorista aos ativistas mapuches. Na véspera dos três julgamento sobre seu cargo, os PPM lançaram o mais importante movimento coletivo de greve de fome que o pais já conheceu. Eles denunciam a insistencia de autoridades em qualificar como “terroristas” (1)  práticas comuns no resto do continente – ocupações de latifúndios ou propriedades de empresas, por grupos étnicos empobrecido (2).

Do zapatismo mexicano aos indigenismo de Evo Morales na Bolívia, desde os anos 1990, as revindicações dos povos indígenas ganham terreno em toda América Latina. Reconhecimento, dignidade e determinação para se emancipar são os pontos comuns de todas essas lutas que enfatizam uma relação com a “mãe terra”, inconcebível para o pensamento liberal. Essa filosofia, compartilhada pelos “mapu-che” (pessoas da terra), se opõe constantemente aos interesses econômicos das classes dirigentes. É o caso no Chile.

A primeira grande batalha começa na virada do milênio. Na região do Alto Bio-bio, no coração dos Andes chilenos, os pehuenches (mapuche da cordilheira) contestam a construção da hidroelétrica El Ralcopela, pela companhia espanhola Endesa. Durante anos, Nicolasa e Berta Quintremán enfrentaram o rolo compressor da globalização e do governo chileno para salvar seu território. O combate das irmãs Quintremán teve grande repercussão nacional e internacional. Apesar do apoio de muitos setores da sociedade civil, as comunidades pehuenches não conseguiram interromper o projeto. Elas obterão uma indenização.

Essa luta desperta o sentimento de injustiça entre comunidades que confrontam a voracidade dos grandes proprietários, empresas de reflorestamento ou indústrias de salmonicultura. No rastro das duas anciãs, os jovens, vitimas de descriminação quotidiana, se mobilizam de maneira pacífica (3).

Para combater essa ameaça, a oligarquia chilena tira do armário os cassetetes, escudos e capacetes: a violência feita pelo Estado, para proteger os interesses financeiros em jogo. Aproveita-se um arsenal legislativo oriundo diretamente da ditadura… e reativado pela Concertatión (coalizão de centro-esquerda que se instala no Palácio de La Moneda, sede do governo, de 1989 à eleição de Sabastián Piñera, em dezembro de 2009). Embora alguns de seus membros tenham sido vítimas da legislação antiterrorista introduzida por Pinochet, a coligação faz uso das mesmas leis para silenciar os povos indígenas, para o desespero dos defensores dos direitos humanos.

Durante anos, estes ultimos denunciam as leis de “emergência” que autorizam prisão preventiva, com o uso de testemunhas “sem rosto”, anônimas, pagas pela policia para apontar os engajados. Acusações banais, como de incêndio de veículos, resultam em penas pesadas. Esses protestos foram ecoados pela a Organização das Nações Unidas (ONU). Em 2007, o Comitê dos Direitos Humanos e em seguida, em 2009, o relator especial sobre a situação dos direitos e das liberdades dos povos indígenas, James Anaya (5), denunciaram as políticas de descriminação racial em vigor.

Mas o impasse torna-se mais aguda quando, no plano político, os mapuches se defrontam com o bloqueio da elite de Santiago, que fecha todos os caminhos para um acordo. A chegada ao poder de uma direita sem complexo, aliadas aos barões da “era Pinochet” não pacifica a situação.

O presidente Piñera, o “Berlusconi chileno”, não se preocupa mais com a sorte do povo mapuche que seus antecessores. É testemunha o rescaldo do violento terremoto, de dezembro de 2009, cujo epicentro situa-se no limite norte do país mapuche. Embora as comunidades costeiras tenham sido devastadas pelos tsunamis que se seguiram, o Observatório Cidadão (6), uma ONG situada na cidade de Temuco, aponta que elas estão entre os esquecidos da reconstrução.

Contudo, as grandes mídias – próximas do poder econômico — não falam nada, Nem mesmo da greve de fome dos militantes mapuche. Somente determinados sites na Internet (7) se voltam para a causa indígena e relatam seus depoimentos e reivindicações.

As semanas passam, a vontade dos presos não diminui, mas sua saúde, sim. Organizações reconhecidas manifestaram sua preocupação. A Anistia Internacional denunciou o uso da força para alimentar os presos: Piñera não teve escolha senão responder.

Ele busca a partir de agora a “reabertura” de um diálogo que nunca foi aberto. Prometeu uma reforma imprecisa dos vestígios da ditadura. Os prisioneiros desejam a abolição da lei antiterrorista. Dois outros prisioneiros solidarizaram-se com eles, no começo de setembro. Todo mundo se lembra que em 2008, o Chepa (8) (“o leão”), ativista mapuche, esteve em jejum 112 dias antes de obter qualquer avanço.

M A I S:

Também sobre os mapuches, na Biblioteca Diplô:

Os mapuches resistem outra vez

Após um século de derrota e aculturamento, ressurgem, entre os povos indígenas do Chile, a busca da identidade e a luta por terras e direitos

(Por Alain Devalpo, fevereiro de 2006)

Alain Devalpo, jornalista, auto de Voyage au pays des Mapuches, Cartouche, Paris, 2007.

  1. Divulgação público dos presos política do mapuches em greve de fome na prisão de El Manzano em Concepcion”, rede de informação e apoio ao povo mapuche.
  2. Ver a fotografia de Fred Jacquemot e Alain Devalpo, “Resistencia Mapuche
  3. Ver Alain Devalpo, “Oposição pacifica dos Mapuches chilenos”, Le Monde Diplomatique, fevereiro 2006.
  4. Chile: Terror Law Violates Due Process for Mapuche”, Human Rights Watch (HRW), 27 de outubro 2004.
  5. « Informe del Relator Especial sobre la situación de los derechos humanos y las libertades fundamentales de los indígenas, James Anaya » (PDF), Assemblée générale des Nations Unies, Conseil des droits de l’homme, 5 octobre 2009.
  6. http://www.observatorio.cl
  7. Ver o site Mapuexpress.
  8. Ler “Retratos de mulher mapuche, presos políticos”, rede de informação e apoio ao povo Mapuche, em dezembro de 2003.

Publicado originalmente no site do Le Monde Diplomatique

Leia Também:

3 comentários para "Mapuches, os chilenos dos quais não falamos"

  1. josé portes de cerqueira césar disse:

    Eu, não estou entendendo isso esse imbroglio tipicamente latino americano, o tal do piiiinoque morreu já faz tempo e, com certeza já esta nas profundezas do inferno e, os infelizes irmaõs mapuches é que estão pagando a conta? como é isso?.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *