Não chore ainda pela Primavera Árabe

Immanuel Wallerstein analisa os novos cenários no Egito e Tunísia. Sua opinião: é cedo para dizer que revoluções foram derrotadas

Tunis, 6 de fevereiro: multidões tomam as ruas em protestos contra o assassinato de Chokri Belaid, líder político laico e à esquerda

Tunis, 6 de fevereiro: multidões tomam as ruas em protestos contra o assassinato de Chokri Belaid, líder político laico e à esquerda

.

Por Immanuel Wallerstein | Tradução: Gabriela Leite

Na Tunísia, em dezembro de 2010, um único indivíduo acendeu a chama da revolução popular contra um ditador corrupto. A revolta foi prontamente seguida por uma explosão similar no Egito, contra um tirano parecido. O mundo árabe estava atônito e a opinião pública mundial tornou-se imediatamente muito simpática a essas expressões-“modelo” das lutas ao redor do planeta por autonomia, dignidade e um mundo melhor.

Três anos depois, ambos países estão atolados em lutas políticas acirradas. A violência interna cresce rapidamente; há grande incerteza sobre onde tudo irá parar, e em benefício de quem. Existem particularidades em cada país, aspectos que repercutem em outras revoltas pelo mundo árabe e árabe-islâmico, e outros que podem ser comparados ao que está acontecendo na Europa – e, até certo ponto, em todo o mundo.

O que aconteceu? Devemos começar com o levante popular inicial. Como ocorre muitas vezes, ele foi iniciado por jovens corajosos, que protestavam contra atos arbitrário dos poderosos — localmente, nacionalmente, internacionalmente. Nesse sentido, eram antiimperialistas, anti-exploração e profundamente igualitários. É possível estabelecer uma clara comparação com os tipos de manifestações que se espalharam pelo mundo entre 1966 e 1970, e que se tornaram conhecidas como a “revolução mundial de 1968”. Como naquela época, os protestos tocaram algo profundo em seu país país e atraíram vasto apoio popular, espraiando-se muito além do pequeno grupo que os iniciou.

O que aconteceu em seguida? Uma revolução antiautoritária generalizada é uma coisa muito perigosa para os que detêm autoridade. Quando as medidas de repressão iniciais pareceram não funcionar, muitos grupos procuraram domesticar as revoluções unindo-se a elas, ou fingindo se unir. Tanto na Tunísia quanto no Egito, o exército entrou em cena, recusando-se a atirar nos manifestantes, mas também procurando controlar a situação após a deposição dos dois ditadores.

Em ambos países, existira um forte movimento islâmico, a Fraternidade Muçulmana. Ela fora banida da Tunísia e cuidadosamente controlada e restringida no Egito. As revoluções permitiram-lhe emergir de duas maneiras. Ela ofereceu assistência social para os pobres que haviam sofrido com a negligência do Estado. E decidiu formar partidos políticos para conquistar a maioria nos Parlamentos e controlar a redação das novas Constituições. Na primeira eleição de cada país, a Fraternidade Muçulmana emergiu como o partido político mais forte.

No momento seguinte, havia basicamente quatro grupos disputando a arena política. Além do partido da Fraternidade Muçulmana (Ennahda na Tunísia e Partido da Liberdade e Justiça, no Egito), destacavam-se as forças seculares mais ou menos à esquerda; as forças salafistas, na extrema direita, lutando pela adoção de uma versão muito mais rigorosa da sharia[a lei islâmica] que a desejada pelos partidos da Fraternidade; e os apoiadores ainda fortes, mas quase ocultos, dos antigos regimes.

Tanto a Fraternidade Muçulmana quanto as forças seculares estão muito divididas internamente, em especial sobre as estratégias que desejam seguir. Os muçulmanos moderados vivem os mesmos dilemas enfrentados, nos últimos anos, pelos partidos de centro-direita europeus. Seus países enfrentam problemas econômicos severos e persistentes. Isso dá origem a (e ou fortalece) partidos da extrema-direita — o que ameaça a capacidade dos partidos centro-direita mainstream vencerem futuras eleições. Nessa situação, surge, em toda parte, gente que tenta atrair os eleitores da extrema direita adotando uma “linha dura” em relação à esquerda ou às forças seculares. E há os chamados “moderados”, para os quais o partido deve mover-se ao centro para reconquistar seus votos.

As forças de esquerda, ou secularistas, reúnem por sua vez uma ampla gama de grupos: setores de esquerda verdadeira (porém múltiplos) e democratas de classe média, que procuram encorajar laços econômicos mais fortes com grandes forças de mercado na Europa e América do Norte. Em questões econômicas, esses grupos de classe média estão muito próximos, na verdade, daquilo que as forças islâmicas moderadas propõem.

Enquanto isso, as foças ainda leais aos antigos regimes mantêm controle sobre uma instituição chave: a polícia. É a polícia quem atira nas manifestações das forças seculares. Quando estas protestaram contra assassinato de Chokri Belaid, um líder secularista chave, o primeiro-ministro da Tunísia, Hamadi Jebali, um islamista moderado, respondeu que estava igualmente chocado com o assassinato. Diante disso, os grupos seculares replicam que os partidos islâmicos, e especialmente seus chamados linha-dura, são, de qualquer forma, responsáveis — por terem suscitado o ambiente necessário para que assassinato ocorresse.

Mais: Tunísia e Egito não são países isolados. Seus vizinhos no mundo árabe e além estão também agitados. A intromissão geopolítica de forças de fora é muito grande. Ambos países são relativamente pobres e precisam de ajuda financeira estrangeira para lidar com o crescente e persistente desemprego, que se torna ainda mais severo devido à perda do turismo – antes, uma fonte central de receita.

Para onde isso tudo está se encaminhando? Existem apenas dois caminhos possíveis. Um é o fim da revolução, pelo menos por enquanto. Os dois países poderiam ter governos de direita fortemente enraizados, apoiados (e talvez até controlados) pelos militares, com Constituições socialmente conservadoras e políticas externas cautelosas. Outro, é o começo de uma revolução, no qual o espírito inicial de 1968 recupera suas forças e tanto a Tunísia quanto o Egito tornam-se novamente casos emblemáticos de transformação social — para si próprios, para o resto do mundo árabe e para todo o planeta.

No momento, parece que as forças que pressionam pelo fim da revolução estão vencendo. Mas nesse mundo caótico, é cedo demais para fechar as cortinas e pensar que já não há espaço para um força revolucionária renovada nos dois países.

*Immanuel Wallerstein é um dos intelectuais de maior projeção internacional na atualidade. Seus estudos e análises abrangem temas sociólogicos, históricos, políticos, econômicos e das relações internacionais. É professor na Universidade de Yale e autor de dezenas de livros. Mantém um site. Seus textos traduzidos publicados por Outras Palavras podem ser lidos aqui

Leia Também:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *