O tempo da economia engole a Educação

A busca acelerada por resultados dita o ritmo da desintegração social no neoliberalismo. Cresce o desinteresse pelo ensino reflexivo. Saídas mágicas, como cursinhos e youtubers, vêm para dar conta do sujeito apto a responder ao relógio do mercado

.

Por  Raphael Fagundes, na Le Monde Diplomatique Brasil

O sociólogo Christian Laval levanta uma questão interessante: “O mercado exige ‘reações’ fortes, enquanto a solução para muitos dos problemas da educação demanda decisões que funcionam no longo prazo” [1]. Sem dúvida este é um dos motivos da crise da educação. 

O neoliberalismo tem como objetivo mercantilizar todas as manifestações humanas. Isso porque F. A. Hayek criou uma espécie de “formação discursiva neoliberal” que pode ser aplicada como episteme capaz de dar conta de diversas áreas. Para Hayek não pode haver um planejamento econômico. O governo deve apenas “fixar normas determinando as condições em que podem ser usados os recursos disponíveis, deixando aos indivíduos a decisão relativa aos fins para os quais eles serão aplicados” [2]. Ou seja, o governo não deve promover um plano econômico com o objetivo de acabar com a fome, desenvolver a tecnologia etc.  

Na visão neoliberal, a economia é um “local” em que cada indivíduo irá extrair recursos para saciar suas necessidades pessoais. Um lugar livre em que se compra ações, faz-se investimentos para se recolher os lucros. Se o indivíduo quiser criar uma instituição de caridade, escolas etc., ele tem o direito de fazer isto com as quantias provenientes do seu investimento. Por outro lado, “o Estado deve limitar-se a estabelecer normas aplicáveis a situações gerais deixando os indivíduos livres em tudo que depende das circunstâncias de tempo e lugar, porque só os indivíduos poderão conhecer plenamente as circunstâncias relativas a cada caso e a elas adaptar suas ações” [3]. 

Este mesmo discurso pode vir a ser aplicado a outras áreas, como na educação. A educação acaba se tornando um bem privado. Não deve haver uma política educacional. O Estado não deve investir na educação para formar cidadãos, pessoas críticas etc. A educação deve ser encarada como um recurso usado por cada indivíduo visando atender suas necessidades privadas, como a de arranjar uma boa posição no mercado de trabalho. 

A educação deixa de ser um bem coletivo para se tornar um bem individual. Essa lógica importada da economia provoca uma crise insolúvel na educação. Insolúvel no sentido de ser impossível resolvê-la dentro das próprias premissas neoliberais. 

A aceleração do tempo 

A grande revolução capitalista foi a Revolução Industrial, mas antes dela já estava sendo trabalhada uma alteração temporal no trabalho. A invenção do relógio foi fundamental. O tempo de produção não estaria mais submetido às intempéries naturais. “O pequeno instrumento que regulava os novos ritmos da vida industrial era ao mesmo tempo uma das mais urgentes dentre as novas necessidades que o capitalismo industrial exigia para impulsionar o seu avanço” [4], explica E. P. Thompson. 

Sendo assim, o valor da mercadoria passou a ser determinado pelo tempo que leva para ser produzida, “impõe-se o tempo de trabalho socialmente necessário à sua produção, que é a lei natural reguladora, que não leva em conta pessoas […] A determinação da quantidade do valor pelo tempo do trabalho é, por isso, um segredo oculto sob os movimentos visíveis dos valores relativos das mercadorias” [5]. 

As máquinas vieram exatamente para produzir uma maior quantidade de mercadorias num menor período de tempo. Diversos inventos foram criados com este objetivo. A tecnologia pragmática está voltada para essa visão econômica. 

A partir de então, como destaca Harmut Rosa, “as transações monetárias modernas facilitam, multiplicam e aceleram transações sociais e econômicas, e com isso praticamente todas as relações sociais” [6]. Antes, um problema que surgia no trabalho na sexta-feira, só seria resolvido na segunda-feira da semana seguinte. Hoje, com a tecnologia criada para acelerar o mundo, o trabalhador recebe uma mensagem no ônibus que pega para voltar para casa ou no happy hour exigindo dele soluções para tratar da situação indesejada para os lucros finais da empresa. 

A educação entra nessa lógica. O indivíduo quer o resultado mais imediato possível, já que o mundo ao seu redor está cada vez mais acelerado. Mas como algo que exige tempo pode auxiliar um indivíduo que vive em um mundo imediatista?

O desinteresse pela educação formal 

Assim surgem os cursinhos. Os youtubers, com suas soluções mágicas, explicações “simples” etc, faturam nessa economia totalizadora do curto prazo. Se tudo deve ser mercantilizado, tudo deverá ser acelerado.

Sala de aula de jovens se preparando para o Enem em 2010 (Arquivo/Agência Brasil)

É possível adquirir cada vez mais conhecimento num espaço de tempo cada vez menor? A indústria do conhecimento diz que é.  

O desinteresse pela educação formal vem diminuindo por conta dessa lógica. O aluno quer o resultado imediato, e isso é justamente o que a escola não pode fornecer. Na busca de adequar a escola às exigências do mercado e de seus consumidores, as reformas educacionais vêm tentando encontrar mecanismos que aceleram a produção de pessoas aptas ao mercado de trabalho. Cursos de como fazer brigadeiros a como ser um influenciador digital já estão tomando o espaço de disciplinas como História e Sociologia. Exatamente porque o resultado é muito mais imediato.  

Esse é um movimento antigo. Thompson mostra que em 1772, já se “via a educação como um treinamento para adquirir o “hábito do trabalho’”. O historiador inglês destaca que, ainda no século XVIII, já se observava que “uma vez dentro dos portões da escola, a criança entrava no novo universo do tempo disciplinado” [7]. Com o advento de uma tecnologia voltada para a eficiência (que no capitalismo é produzir mais em um período mais curto de tempo), essa função da escola tornou-se mais necessária para o capital. 

Alguns poderiam dizer que os Tigres Asiáticos seriam um exemplo positivo de relacionamento entre educação e economia. Só esquecem que lá houve muito planejamento econômico. Mariana Mazzucato mostra que foi “através do planejamento e políticas industriais ativas [que os países do Leste Asiático] conseguiram se ‘equiparar’ tecnológica e economicamente ao Ocidente” [8]. Ou seja, o casamento entre educação e economia só funciona longe da lógica neoliberal. 

Rosa entende o tempo como uma dimensão central e constitutiva dos fenômenos da modernidade. A aceleração social é um fenômeno crucial para entender o mundo moderno: “a desintegração social seria, assim, uma consequência da crescente dessincronização social; a destruição ambiental, uma consequência da sobrecarga do ciclo cronológico de regeneração da natureza; a perda da individualidade ‘qualitativa’, um subproduto do aumento do ritmo da vida; e o abandono da autonomia racional, resultado da ‘temporalização do tempo’” [9]. 

Conclusão 

Onde isto vai parar? As fake news ganham espaço porque muitos preferem as explicações curtas e objetivas sem uma reflexão mais pormenorizada dos fatos. Informações são produzidas numa velocidade cada vez maior pelos próprios veículos confiáveis, porque é necessário vender informação em um intervalo de tempo cada vez mais reduzido. 

A lógica neoliberal está destruindo a educação, não porque se trata de uma conspiração dos donos do capital por tornar as pessoas mais burras, mas porque a sua dinâmica é a aceleração. A velocidade é um dos principais obstáculos para o conhecimento. Não será possível salvar a educação, a menos que alteremos a lógica econômica que se impõe sobre todo o mundo. 

[1] LAVAL, C. A escola não é uma empresa. São Paulo: Boitempo, 2019, p. 187

[2] HAYEK, F. A. O caminho da servidão. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010, p. 90.

[3] Id., p. 91.

[4] THOMPSON, E. P. Costumes em comum. São Paulo: Cia das letras, 1998, p. 279.

[5] MARX, K. O Capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012, p. 97.

[6] ROSA, H. Aceleração. São Paulo: EdUnesp, 2019, p. 108.

[7] THOMPSON, p. 293.

[8] MAZZUCATO, M. O Estado empreendedor. São Paulo: Portifolio-Penguin, 2014, p. 71.

[9] ROSA, p. 123. 

Leia Também: