Becos com saída

José Geraldo Couto opina sobre Bróder – um filme que enxerga a periferia com olhar oposto ao do Cinema Novo

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José Geraldo Couto opina sobre Bróder — um filme que enxerga a periferia com olhar oposto ao do Cinema Novo

Por José Geraldo Couto, editor do Blog do Zé Geraldo

Para quem quiser ler boas críticas de Bróder, o primeiro longa-metragem de Jefferson De, recomendo os textos de meus amigos Inácio Araujo (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2104201110.htm) e Luiz Zanin Oricchio (http://blogs.estadao.com.br/luiz-zanin/).

Aqui vou me limitar a comentar um ou dois aspectos do filme.

O ponto de partida de Bróder me parece bastante esquemático. Num violento bairro paulistano de periferia, o Capão Redondo, três irmãos se reúnem para o aniversário do mais novo (Macu/Caio Blat), o único que permaneceu na “quebrada”. Os outros dois são um futebolista  famoso que joga na Espanha (Jaiminho/Jonathan Haagensen) e um advogado recém-formado que mora no centro da cidade com a mulher (Pibe/Silvio Guindane). Em suma: o pobre, o rico e o classe média.

Há uma circunstância que talvez matize um pouco o esquematismo, invertendo o clichê: Macu, o pobre, é também o mais branco dos três. Mas não é por aí que Bróder transcende o simplismo inicial e ganha vida, mas sim por sua generosa imersão no ambiente que retrata, por sua porosidade, sua permeabilidade à geografia física e humana daquele pedaço do planeta.

Um boteco, um campinho terroso de futebol, uma viela, uma ladeira, um puxadinho, uma laje pela metade – em suma, o caos topográfico e arquitetônico dos bairros pobres paulistanos -, tudo isso pulsa na tela como um mundo ainda em formação, pleno de promessas e ameaças.

Brodagem e imersão

Também os personagens parecem não estar ainda inteiramente formados, enquadrados em “tipos” previsíveis. Também eles reservam desvãos e fundos falsos. Seus becos, como os do bairro, são sem saída apenas na aparência.

Uma das proezas de Bróder – tornar críveis e envolventes as relações dos três personagens centrais entre si e com seu entorno (a família, o bairro, a cidade), desafio tanto maior quando se lembra que dois dos atores (Haagensen e Guindane) são cariocas – deve muito ao preparador de atores Sergio Penna, que já demonstrara sua competência em filmes tão diversos quanto Carandiru, Bicho de sete cabeças e As melhores coisas do mundo.

Com sua característica modéstia autocrítica, Nelson Pereira dos Santos disse numa entrevista que, quando subia o morro para filmar os pioneiros Rio 40 graus e Rio zona norte, nos anos 50, passava por despachos de macumba e outros “acidentes” da vida cotidiana na favela sem prestar a menor atenção. Já tinha na cabeça o que ia filmar. Assim se passava com muitos dos filmes do Cinema Novo (alguns admiráveis até hoje): a tese prévia se sobrepunha ao ambiente geográfico e humano abordado.

Bróder, de certo modo, faz o contrário disso.

Trailer

José Gerado Couto é crítico de cinema e tradutor, foi durante anos colunista na Folha, escreve suas criticas hoje em seu próprio blog e na revista Carta Capital.

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