Palestina: adeus às divisões?

Inspirados no Egito e ultra-conectados, jovens dizem ao Fatah e Hamas que luta pela liberdade precisa superar espírito de facção

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Por Carmelle Wolfson, do Alternet| Tradução: Daniela Frabasile

Num grande painel com uma caricatura do presidente Barack Obama, pendurado em uma sacada sobre a praça Al-Manarah, em Ramallah, no dia 15 de março, podia-se ler: “Ele disse: liberdade para o povo da Tunísia. Ele disse: liberdade para o povo egípcio. Ele disse: liberdade para o povo líbio. Mas ele não se atreve a dizer liberdade para o povo palestino”.

Estimulada pela dinâmica das revoltas que se espalham pelo mundo árabe, a juventude palestina ergueu um acampamento de protesto no centro de Ramallah, em cidades na Cisjordânia e na faixa de Gaza, em 15 de março. Esse grupo de jovens ativistas, não alinhado politicamente, é incapaz de se reunir devido aos postos de controle do exército de Israel e aos muros. Estão se conectando por Facebook, Twitter e telefones celulares.

O movimento de 15 de março, como está sendo chamado, reivindica reestruturação do Conselho Nacional Palestino (CNP), convocação de eleições, liberação de todos os prisioneiros políticos em poder da Autoridade Palestina e do Hamas e a unificação nacional da Palestina.

Na semana passada, centenas de milhares de palestinos protestaram nas ruas da cidade de Gaza, e milhares na Cisjordânia. Logo em seguida, o presidente palestino Mahmoud Abbas, do grupo Fatah, anunciou planos para encontrar o líder do Hamas, Ismail Haniyed, em Gaza.

Uma das figuras-chaves do movimento de 15 de março é Fadi Quran. Junto com nove outros companheiros, ele fez uma greve de fome de quatro dias, às vésperas do protesto. Diz que o CNP não representa todos os palestinos, e que “sistemicamente levará a uma divisão”, como atual impasse entre o Fatah e o Hamas. Quran acredita que se Abbas e Haniyet se encontrarem, os líderes tentarão chegar a um acordo de partilha do poder, combinando posições e dividindo cadeiras entre os partidos.

Abbas e Haniyet ainda precisam acertar os termos desse encontro. Abbas pede a formação de um governo transitório para preparar as eleições. Como o Hamas provavelmente receberia uma pequena quantidade de votos, perdendo assim seu poder sobre a faixa de Gaza, Haniyet está pouco estimulado a apoiar as eleições agora. Haniyet insiste em uma reunião que lance conversações pela reconciliação

O Movimento 15 de Março

Os ativistas palestinos estão esperando para ver se os planos vão dar frutos. Mas falando com eles fica claro que a derrubada dos presidentes Mubarak e Ben Ali, no Egito e Tunísia, reavivou suas esperanças. “Daqui para a frente, as coisas serão diferentes”, disse Quran no protesto de terça-feira.

Mas Quran, que estudou em Standford, é também pragmático. Indagado se 15 de março poderia se tornar a versão palestina do movimento 25 de janeiro (o primeiro dia de grandes manifestações populares no Cairo), ele respondeu: “acho que aqui, as mudanças que queremos precisam de mais tempo para ser implementadas. No Egito, reivindicava-se que Mubarak saísse. Nós não podemos pedir isso [em relação a Abbas] agora”.

O presidente Abbas tem apoio insignificante. Desde que a Al Jazeera liberou documentos [do Wikileaks] confirmando as suspeitas de que a Autoridade Palestina, dirigida pelo Fatah, cedeu demais a Israel (principalmente por permitir a expansão dos assentamentos, abandonar o direito de retorno para todos os refugiados palestinos e recuar da exigência de partes de Jerusalém Oriental), ele está tentando evitar uma grande revolta, como as que varreram o Oriente Médio e norte da África. A julgar pela tática de Abbas, ele deve ter aprendido alguma coisa com Mubarak.

Durante os últimos meses, nos comícios na Cisjordânia em solidariedade aos egípcios e tunisianos, as forças da Autoridade Palestina foram convocadas para entoar suas próprias palavras-de-ordem, e também para ameaçar e deter manifestantes. Nessa semana, a Autoridade Palestina usou estratégia parecida para suprimir protestos voltado mais diretamente a seus dirigentes.

Em toda a manifestação de 15 de março, em Ramallah, agentes secretos da inteligência da Autoridade Palestina (Mukhabarat) identificaram e retiraram os principais organizadores. A certa altura, a Mukhbarat arrastou uma jornalista da agência de notícias Ma’na para o posto de polícia depois que a repórter tirou uma foto de um dos agentes. A britânica foi liberada logo depois, mas ao final do dia pelo menos seis palestinos tinham sido detidos e sete foram levados por ambulâncias devidos a lesões. Ao escurecer, as forças de segurança isolaram a rua.

Após a implementação dos Acordos de Oslo, os palestinos parecem conviver com uma nova força de repressão, criada no interior da Autoridade Palestina, dirigida pelo Fatah. Ela captura e interroga regularmente ativistas políticos palestinos na Cisjordânia. A economia palestina pode ter crescido na região, mas os assentamentos israelenses expandem-se mais rapidamente. É essa realidade, tanto quanto a divisão de facções e as revoltas árabes, que inspiram os jovens palestinos hoje.

Mais cedo naquele dia, partidários do Fatah, incluindo alguns antigos membros da segurança da Autoridade Palestina, encheram a praça, tentando fixar-se em locais estratégicos. A multidão do Fatah cantou músicas tradicionais nacionalistas que tocavam nos auto-falantes, e espalhou pelas ruas cartazes de líderes palestinos martirizados. Um cartaz destacava a foto do antigo líder do Fatah, Yasser Arafat, beijando o líder espiritual do Hamas, Sheik Yassin.

Uri Davis, do Conselho Revolucionário do Fatah – o único membro judeu israelense da Organização pela Libertação da Palestina (OLP) – falou com repórteres no meio da praça. “O fim da fragmentação da cena política palestina”, deveria ser a principal demanda , disse ele, atribuindo o processo à tática colonial de dividir para reinar usada por Israel.

Sobre a reestruturação do Conselho Nacional, Davis disse que abrir o voto às comunidades palestinas em Israel e às espalhadas pela diáspora tornaria o órgão mais representativo.

Quem observasse os que pedem unificação nacional na semana passada, julgaria que a divisão é insuperável. As tensões ferviam sob a superfície, entre os que apoiavam o Fatah e os esquerdistas e os ativistas não alinhados a nenhum dos dois grupos (que organizaram a manifestação). Dois grupos distintos se formavam, cada um tentando se sobrepor ao outro.

Depois que os membros do Fatah se retiraram no começo da tarde, um grupo de aproximadamente 500 pessoas permaneceu. Jovens de ambos os sexos lideraram os coros. Dois homens sentaram-se sobre um painel da Autoridade Palestina 4 metros de altura onde podia-se ler “restauração do centro da cidade”. Eles seguravam um cartaz com um desenho de duas jovens palestinas gritando, com os cabelos aparecendo sob lenços frouxos, no fundo vermelho, branco e verde da bandeira palestina.

Reação israelense

Dezenas de soldados israelenses também estavam mobilizados no posto de controle em Qalandia na última terça-feira, para a eventualidade de os manifestantes palestinos em Ramallah dirigirem-se para lá.

Os levantes regionais alimentam o medo que os israelenses têm de serem cercados por inimigos prontos para atacar. Oficiais de segurança israelenses claramente foram pegos de surpresa quando Mubarak caiu. Ainda assim, o governo de Israel parece indeciso sobre como responder politicamente à agitação no Oriente Médio e no norte da África, permanecendo em compasso de espera antes de dar o próximo passo.

Israel perdeu seu maior aliado no Oriente Médio quando o presidente egípcio, Mubarak, resignou. A estabilidade do Estado baseia-se na paz com o Egito e em manter Gaza em rédeas curtas. É por essa razão que Israel apressa-se para terminar a construção do muro ao longo da fronteira com o Egito.

O primeiro-ministro Netanyahu espera que emerja, no Egito, um novo líder com quem Israel possa contar para continuar a mesma política de Mubarak.

Enquanto isso, têm aparecido no Facebook grupos chamando refugiados palestinos a marchar em direção às fronteiras do Egito, Líbano, Síria, Jordânia e os Territórios Palestinos Ocupados em 15 de maio. Seria a “terceira intifada palestina”. Se essa ação acontecer, Israel terá de lidar com uma séria preocupação com segurança.

No momento, com os militares egípcios – financiados pelos Estados Unidos – exercendo forte controle e com fissuras que começam a aparecer na revolta popular do Egito, a situação política pode se mover a favor ou contra Israel. Se alguma coisa está clara, é que Israel baseia-se na divisão da Palestina e não irá tolerar um movimento democrático se isso significar uma negociação com o Hamas.

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