Espionagem em massa: possível reviravolta nos EUA

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Pela primeira vez, norte-americanos temem mais a perda de suas liberdades do que terrorismo. Congresso pode restringir vigilância sobre cidadãos

Por Cauê Ameni

Esquecido pela maior parte do noticiário, Edward Snowden, o ex-contratado da CIA que revelou o mega-esquema de espionagem global praticado pelos EUA, pode ter alcançado sua primeira vitória. Uma nova pesquisa de opinião pública acaba de revelar: a difusão de detalhes sobre a vigilância contra os cidadãos está levando uma parcela crescente dos norte-americanos a voltar-se contra a prática. O próprio Congresso já admite – embora de forma tímida e contraditória – votar leis para restringir o monitoramento de telefonemas e da internet.

Inicialmente, mais da metade dos americanos eram a favoráveis aos procedimentos de vigilância adotados pela National Securty Agence (NSA). Mas uma recente sondagem, realizada pela Pew Research, revela uma gritante mudança. Os cidadãos estão mais preocupados com os abusos contra os direitos civis do que com o terrorismo. É “uma mudança radical da opinião publica a partir das recentes revelações”, assinala Glenn Greenwald, advogado e jornalista que vem cobrindo o caso desde o seu inicio. De acordo com a pesquisa, 70% acreditam que o governo usa os dados recolhidos para outros fins (que não o combate ao terrorismo); 56% acha que os tribunais federais não foram capazes em limitar o poder da interceptação estatal nas comunicações. Além disso, 63% desconfiam que o governo vai além de levantamentos estatísticos: também está coletando informações sobre os conteúdo postados nas redes. Isso demonstra uma rejeição direta aos três argumentos usados pelo governo para defender seus programas: a vigilância seria feita de forma adequada, não envolveria violação de conteúdo; e a espionagem seria usada apenas para manter a população segura.

O dado mais impressionante revela que 47% das pessoas acham que a política governamental foi “longe demais”, enquanto 35% dizem estar preocupado que as políticas anti-terrorismo não protegeram o país. E pela primeira vez, segundo o Pew Research, as pessoas expressaram mais preocupação com as liberdades civis do que contra o terrorismo, desde 2004.

Essa mudança atingiu o Congresso norte-americano. Artigo publicado no New York Times conta como a articulação anti-espionagem iniciada semana passada pelos “políticos mais radicais” (tanto à esquerda quanto à direita) em torno do programa da NSA, ganhou o apoio dos mais moderados – e entre as vozes mais respeitadas em matéria de segurança. Na quarta-feira 23/07, uma primeira tentativa de colocar freios à vigilância falhou por pouco. Foi derrotado por apenas doze votos (217 x 205) o projeto Amash/Conyers, que restringia a vigilância de telefonemas apenas às pessoas incluídas pela Justiça em investigação sobre terrorismo. Outras votações sobre o mesmo tema deverão ocorrer a partir de agosto, quando termina o recesso parlamentar nos EUA.

A reconsideração repentina de alguns congressistas tomou a Casa Branca de surpresa. Por motivos duvidosos, até mesmo Jim Sensenbrenner – um dos principais defensores do Patriot Act, a lei que expandiu enormemente as investigações secretas – agora tornou-se um dos maiores críticos da NSA. Além de restringir a coleta de dados em telefonemas, o republicano pretende propor mudanças significativas no tribunal secreto que supervisiona os programas e possibilitar a empresas como Microsoft e Google revelar que estão sendo intimadas a fornecer dados de seus usuários.

Para Glenn Greenwald, o recuo é tático, consiste em aplacar o crescente sentimento de desconfiança, desgastar o governo e não reduzir concretamente o poder da NSA. O jornalista lembra que a agência concentrou poder nos últimos anos porque tem no “seu bolso” os Comitês de Inteligência da Câmara e Senado norte-americanos. Os presidentes dos comitês – a democrata Dianne Feinstein, no Senado, e o republicano Mike Rogers, na Câmara – são tão leais à NSA que é geralmente impossível distinguir seu comportamento, mentalidade e comentários dos de funcionários dos serviços secretos.

Porém, nem tudo esta perdido. Eis alguns sinais para otimismo: a) Graças a Snowden, espalhou-se, em todo o mundo, a oposição à vigilância praticada pelos Estados sobre a internet, e quão nocivos são, às liberdades civis, os programas “de segurança”; b) Tutoriais, programas e artimanhas para proteger a privacidade digital florescem na internet, numa época em que se discute a regulamentação do ciberespaço; e c) Como o próprio Congresso dos EUA recua e admite certos abusos, torna-se mais difícil qualificar Snowden como “traidor” e ampliam-se as evidências de que ele cumpriu seu dever, ao abrir o debate sobre a mega-rede de espionagem

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