Fotografia: A mulher negra nos dois lados das lentes

Em entrevista, Larissa Ísis conta como se tornou uma das referências na criação de imagens de negras e negros no Brasil contemporâneo. Esta é a primeira de uma série de transmissões sobre Mulheres e Fotografia no Brasil

Fotografia de Larissa Ísis
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Em 2015, Larissa Ísis lançou uma série de fotografias que depois se transformaram no #ProjetoCansei. As fotos, que a autora descreve como “muito simples”, retratam mulheres negras com uma lousa onde está escrita uma frase sintetizando o seu cansaço. “Cansei de ouvir ‘mas você não é negra’”, “Cansei de ser invisível”, “Cansei de duvidarem da minha inteligência” e assim por diante. Inesperadamente, as imagens viralizaram, com mais de 10 mil compartilhamentos cada, projetando também a fotógrafa que, até então, resistia em se declarar como uma profissional. 

Autorretrato de Larissa Ísis em seu #ProjetoCansei

Ao contar os detalhes desta e outras histórias de sua trajetória como fotógrafa, artista e mulher negra, Larissa relata como surgiu o desejo de ampliar o espaço de pessoas negras no campo das imagens, retratando-as de modo a situá-las plenamente num lugar de beleza, contrapondo-se aos modelos restritivos que vigem na iconografia contemporânea no Brasil. E como ela própria se tornou uma referência na criação/produção da iconografia de negras e negros no Brasil contemporâneo. 

Larissa Ísis é a primeira de uma série de profissionais/artistas que serão entrevistadas no projeto REVELA, concebido e coordenado por Marcela juntamente com o fotógrafo e professor André Spinola e Castro. O projeto é uma realização da Aymberê Produções Artísticas, em parceria com Outras Palavras.

A fotógrafa Larissa Ísis

Na entrevista exclusiva que concedeu à educadora e escritora Marcela Tiboni, Larissa conta que o estalo desse projeto surgiu quando de sua primeira viagem a Nova York, nos EUA. Lá, ela diz que encontrou uma presença muito maior do negro em todos os espaços: em revistas, publicidades, nos programas de TV, nas ruas. Considerando que o percentual da população negra nos EUA é consideravelmente menor do que no Brasil, onde negras e negros são maioria, essa impressão foi ainda mais chocante. 

“Quando eu voltei, eu resolvi que precisava criar as minhas referências. Então eu comecei a fazer foto só de gente preta. Mas foi muito isso: eu ter ido para lá (Nova York), eu percebi o quanto aqui a gente não tem essa representatividade”, conta a fotógrafa. Assista à entrevista de Larissa Ísis a Marcela Tiboni, na íntegra:

Saiba mais sobre o projeto: As vozes da mulher na fotografia

A história da fotografia tem mais de um século, a fotografia moderna, como chamamos a fotografia que conhecemos hoje, tem seu marco no século XIX. E como praticamente quase todas as profissões do mundo, excluiu a participação de mulheres por décadas. Nomes como Daguerre, Talbot, Niepce, todos eles masculinos, são conhecidos como os precursores desta técnica e linguagem. Mas o silenciamento das vozes femininas não significa que não havia interesse e disposição para se trabalhar com a fotografia, significa apenas que os nomes de mulheres foram excluídos da história da fotografia escrita nos livros. 

Mas as mulheres estiveram presentes, e construíram a história lado a lado com os homens. Nomes como Constance Talbot, criadora do papel fotossensível, em 1838, Ann Cook, primeira fotógrafa de paisagem, em 1839, Antonieta DeCorrevont, primeira fotógrafa profissional com estúdio, em 1843 são provas de que elas estiveram presentes nas investigações e no pioneirismo. 

No auge do uso do daguerreótipo – o primeiro processo fotográfico de uso comercial – entre 1841 a 1855, havia 1.750 estúdios com essa tecnologia na cidade de Londres. Dentre eles, 22 eram operados por mulheres. Pode parecer pouco, mas imagine o que significava uma mulher trabalhando em um estúdio de fotografia em meados do século XIX? 

Mas esta exclusão feminina na história não é nenhuma novidade. Que outras profissões são ainda hoje dominadas por homens? Quais as profissões em que as mulheres já conseguiram criar igualdade de gênero? E quando mulheres conseguiram igualdade de espaço, conseguiram também equiparação salarial? Estas são algumas perguntas que nos colocam no cerne da discussão sobre gênero, história, raça, exclusão e invisibilidade. 

Os últimos 50 anos têm sido de muitas mudanças e transformações na história mundial da fotografia, mulheres como Eve Arnold, Annie Leibovitz, Cindy Sherman, Rosangela Renno, Larissa Isis, Nan Goldin têm consigo alçar espaços fundamentais para as mulheres no terreno fotográfico. Conquistando espaços de igualdade em espaços de jornais, revistas, paredes e coleções de museus e Bienais. 

Para além do gênero é importante ainda discutir raça. Se a mulher teve dificuldades para adentrar um espaço tão exclusivo dos homens, as mulheres negras tiveram dificuldades inúmeras vezes maior para adentrar este mesmo espaço. Mulheres lésbicas ou transexuais também tiveram suas vozes silenciadas por ainda mais tempo, e travaram uma luta incansável para terem a oportunidade de terem suas imagens apreciadas e suas vozes escutadas.

Programação de entrevistas e visitas guiadas a exposições

26/05: Entrevista com as fundadoras da produtora Bruta Flor Filmes – Bruna Lessa e Cacá Bernardes – por André Spinola e Castro. 

13/06 – Entrevista com Camila Gerhard por André Spinola e Castro

Também acontecerão visitas guiadas virtuais por exposições: 

15/06 – Marcela Tiboni conduz visita guiada por exposição virtual Farsa

20/06 – André Spinola e Castro conduz visita guiada por exposição virtual Mulheres Fotógrafas do século XX

Sobre os curadores/entrevistadores

Marcela Tiboni é educadora e escritora. Formada em Artes Visuais, mestre em Estética e História da Arte, pós graduada em Gestão Cultural. É diretora cultural da empresa Acontemporanea Cultural desde 2010, onde realiza coordenações de equipes educativas, oficinas, ministra aulas e palestras sobre os mais variados temas da arte contemporânea. Foi professora de História da Arte Contemporânea para o curso de Fotografia no SENAC. Escreveu o primeiro livro sobre maternidade homoafetiva do Brasil, intitulado MAMA: um relato de maternidade homoafetiva.

André Spinola e Castro é fotógrafo e professor. Formado em Jornalismo pela UFRJ e em fotografia comercial pelo Brooks Institute of Photography – California. Diretor da Rever – Estudos em Fotografia. Foi professor de fotografia na UFRJ e no Curso Politécnico de Fotografia da Faculdade Estácio de Sá. Atuou como fotógrafo freelancer para publicações da Editora Abril e fotógrafo contratado da agência de publicidade W/Brasil

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