Na África, um golpe contra a democracia?

Rebeldes que depõem o governo do Níger falam em lutar contra a pobreza. País, um dos mais pobres do mundo, vive disputa pelo urânio e deslocamento de populações

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Militares rebeldes invadiram ontem o palácio presidencial do Níger, trocaram tiros com a guarda (teria havido quatro mortos), interromperam uma reunião ministerial e sequestraram o presidente Mamadou Tanja. Em seguida, assumiram o poder. Apresentando-se como porta-voz dos rebeldes, o coronel Goukoye Abdou Karimou (foto) anunciou, em cadeia nacional de TV, que a ação era de responsabilidade do Conselho Superior de Resistência Democrática. O objetivo do grupo, segundo ele, seria “salvar o pais da pobreza, desencanto e corrupção”. A Constituição está suspensa e as instituições de Estado, dissolvidas — para fazer do país “um modelo de democracia”.

Embora o discurso seja fácil, seria um erro afirmar, a princípio, que o coronel Karimou e seu grupo agem contra a democracia. Terceiro maior produtor mundial de urânio, mais antepenúltimo colocado no ranking mundial de IDH, o Níger vive desde o ano passado em situação de golpe de Estado. Depois de se eleger por duas vezes (e governar dez anos), o presidente agora deposto, Mamadou Tanja, impôs uma nova Constituição em 2009. Cancelou o pleito presidencial, estabeleceu o direito a reeleições indefinidas e outorgou a si mesmo um mandato-tampão de três anos.

A oposição, composta por partidos e ONGs, convocou manifestações de milhares de pessoas na capital, Niamey. Os partidários de Tanja convocaram eleições legislativas fastasmas, de que só eles próprios participaram. O país foi suspenso da Comunidade Econômica da África Ocidental.

Um artigo do Le Monde Diplomatique, publicado em 2008 debate dois outros aspectos de fundo, no cenário nigeriano: a disputa pelo urânio e a emergência de uma guerrilha tuaregue. Em 2007, o então presidente Tanja reorganizou a exploração da principal riqueza mineral do país. Antes explorado por empresas da França (antigo colonizador), o urânio passou a ser extraído também por chineses e anglo-saxãs (inglesas, indianas, canadenses, australianas e sul-africanas).

As minas estenderam-se, atingindo o norte do país, região próxima à fronteira com a Argélia, onde vivem os tuaregues. Uma parte de seu território ancestral foi concedida à mineradora chinesa Sino-Uranium, com expulsão de milhares de moradores. Medidas semelhantes atingiram regiões pastoris. Como os padrões de segurança sanitária praticados no Níger são baixíssimos, diversos estudos previram contaminação radioativa das áreas a serem exploradas.

No território tuaregue, surgiu um movimento armado de protesto. Nos conflitos com o governo, ambas as partes praticavam violências contra a população civil e a usavam como escudo. Exigências da Assembleia Nacional para que o governo “tomasse todas as medidas para uma solução pacífica e duradoura do conflito” foram solenemente ignoradas.

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