As ilusões fatais das potências decadentes

Wallerstein: em países como EUA e Israel, nem governos, nem sociedades enxergam seu declínio relativo. Tal cegueira produz erros desastrosos

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Por Immanuel Wallerstein | Tradução: Daniela Frabasile | Imagem: Sileno bêbado (1616), de Peter Paul Rubens

 

Blowback [algo como revertério, ou tiro pela culatra] é um termo criado pela Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA). Referia-se originalmente às consequências negativas não intencionais, infligidas a um país por suas próprias operações de espionagem. Por exemplo, se uma operação secreta da CIA levasse a um ataque de represália contra cidadãos norte-americanos que não estavam cientes da iniciativa, isso era considerado um blowback. Mas hoje, muitas operações não são secretas (por exemplo o uso de drones no Paquistão ou no Iêmen). E os ataques de represália são muitas vezes assumidos publicamente. No entanto, alguns países parecem não deixar de se envolver em tais operações.

Precisamos de uma definição mais útil de blowback, para explicar como e por que eles estão ocorrendo em muitos lugares. Penso que o primeiro elemento é que os países envolvidos com operações desse tipo são, sim, poderosos – mas menos poderosos do que se acostumaram a ser. Quando estavam no ápice de seu poder, podiam desprezar os blowbacks, por serem desdobramentos limitados e não-intencionais. Mas agora que são menos poderosos, as consequências não são tão reduzidas. Ainda assim, parecem sentir necessidade de lançar tais operações com ainda mais força e ainda mais abertamente.

Vamos analisar dois casos famosos de blowback. Um deles envolve os Estados Unidos. Nos anos 80, Washington queria expulsar o exército da União Soviética do Afeganistão. Para isso, apoiou os mujahidin. Um dos líderes mais famosos dos grupos que os EUA apoiaram era Osama Bin Laden. Assim que as tropas soviéticas se retiraram, Osama Bin Laden criou a Al-Qaeda e voltou-se contra os Estados Unidos.

Um segundo caso diz respeito a Israel. Nos anos 70, Telaviv considerava Yasser Arafat e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) seus principais oponentes. Buscando enfraquecer a organização, financiou-se um braço palestino da Irmandade Muçulmana, conhecido como Hamas. O Hamas cresceu, e de fato enfraqueceu a OLP de alguma forma. Mas em certo ponto, tornou-se um oponente mais efetivo ao Estado israelense que a própria OLP havia sido.

Hoje, todos sabem desses acontecimentos. Outros, envolvendo Grã-Bretanha e França, também poderiam ser citados, e a lista de países que sofreram blowbacks é ainda maior. Então, pergunta-se: por que eles continuam agindo de forma que parece enfraquecer seus próprios objetivos? Fazem isso exatamente porque seu poder está declinando.

Precisamos enxergar o tema como uma questão de temporalidade nas políticas de Estado. Os blowbacks ocorrem quando as potências em declínio envolvem-se em ações que, a curto prazo, alcançam os objetivos imediatos; mas, a médio prazo, apressam ainda mais o declínio – portanto, a longo prazo, são derrotas auto-impostas. A decisão mais óbvia das potências declinantes seria não reiniciar o ciclo. As operações secretas já não funcionam para alcançar os objetivos do país a longo prazo.

Voltando aos exemplos: será que o presidente Obama e o primeiro-ministro Netanyahu não entendem as consequências do que fazem? E se entendem, por que continuam essas operações, até mesmo vangloriando-se delas? Na realidade, penso que os dois chefes de governo, e também os serviços de inteligência dos dois países, entendem a ineficácia das operações. Mas eles enfrentam dilemas imediatos.

Primeiro, eles são políticos, interessados em permanecer no poder. Ambos enfrentam, em seus países, forças para as quais suas políticas não são suficientemente agressivas. E nenhum confronta-se com movimentos políticos fortes que reivindiquem uma revisão radical das políticas nacionais. Em outras palavras, a extrema direita é, nos dois países, muito forte; e a esquerda, mesmo que moderada, é fraca. A razão de fundo para isso é que a opinião pública não aceita, em nenhum dos dois países, a realidade do declínio relativo de poder.

O que os líderes podem fazer é esconder – até certo ponto – que empurram os problemas com a barriga. Mas como as atividades de inteligência tornaram-se, na prática, muito mais transparentes, eles só podem fazer isso por algum tempo. Quando a possibilidade se esgota, eles passam a acreditar que, para se manterem no poder no curto prazo, devem conservar políticas que, conforme sabem, não vão dar certo a longo prazo.

Há outra razão. Obama ainda não desistiu de um sonho impossível – restaurar a posição de hegemonia inquestionada dos Estados Unidos. E Netanyahu não desistiu de outra quimera – um Estado judaico-israelense muito ampliado, abrangendo as fronteiras do antigo Mandato Britânico na Palestina. E se eles não desistirem desses sonhos, certamente não poderão ajudar os cidadãos a entenderem as novas realidades geopolíticas do sistema-mundo e a própria realidade de que o poder de seus países está em declínio.

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6 comentários para "As ilusões fatais das potências decadentes"

  1. ‘Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem nem respirar sem permissão. Perderam sua pátria, suas terras, sua água, sua liberdade, seu tudo. Nem sequer têm direito a eleger seus governantes. Quando votam em quem não devem votar são castigados. Gaza está sendo castigada. ‘ palavras de Eduardo Galeano. Como deus deu a ele virtude de por em palavras o cotidiano de sofrimento de um povo que heroicamente resiste ao mais longo linchamento que um povo poderia ser submetido. O palestino não tem direito à PALESTINA. Um povo que lhe foi subtraído seu chão! Um povo que assiste passivo (SE NÃO…!) virar escombros sua casa, seus familiares, suas esperanças, para no seu lugar construir prédios luxuoso para colonos fanáticos, vizinhos agressivos. Seu país foi entregue pela coroa britânica, com ajuda da ONU, a judeus de várias nacionalidades, que tinham pátria. Judeus que incomodavam os europeus no pós 2ª guerra mundial. Judeus sionistas, que oportunamente iniciaram a por em prática seus planos macabros (Os 7 segredos do SION). Judeus que se apressaram a REESCREVER A HISTÓRIA que querem nos fazer engolir, com SANGUE, MENTIRAS, FANATISMO e ESCOMBROS. Judeus parceiros de líderes mundiais INESCRUPULOSOS que como moeda de troca recebem apoio para suas campanhas expansionistas para em contrapartida facilitar a criação de um cenário que justifique invasões e usurpem além de vidas, riquezas naturais, históricas, arqueológicas e culturais, PALCO DE GUERRA permanente para desova de armas, e experimentação de tecnologias bélica.
    Hoje o palestino, judeu árabe, o muçulmano e o cristão originário dessas terras, vivem SITIADOS, expostos ao estresse diário, abandonados à própria sorte e à indiferença da comunidade internacional.

  2. Este termo "blowback" pode ser aplicado , também, à política externa brasileira ao longo de sua história (lembre-se do perdão the dívida externa boliviana concedido pelo Presidente Lula e a estatização the Petrobrás logo a seguir pelo Presidente Boliviano Evo Morales. Agora, teremos o mesmo reflexo com o discutido processo de Impeachment do Presidente paraguaio, Fernando Lugo – os brasiguaios que se cuidem.

  3. Paulo disse:

    Predadores acuados tornam-se ainda mais perigosos. Assim são os países outrora poderosos mas que não percebem seu declínio, lento mas irreversível. Um pouco de história faria bem a seus governantes, para verem que as espirais do poder obtido pela força estão agora em declínio, e que o próprio Poder muda de mãos, de lugares, conforme a época e as circunstâncias.

  4. Antonio Martins disse:

    Muito obrigado aos que apontaram problemas na tradução. Revisei sem a atenção necessária, ontem. Está no ar nova versão. Prefiri “revertério” a “tiro pela culatra” porque “blowback” é, segundo o texto, neologismo criado pela CIA e me pareceu que seria estranho traduzi-lo por uma expressão muito corriqueira. Mas registrei, na nova versão, as duas possibilidades. Abraços, ótimo fim de semana.

  5. Alípio Dornas disse:

    Há um parágrafo em inglês no meio do texto! Esqueceram de retirar na tradução. O texto é ótimo!!

  6. Alexandre de Oliveira Kappaun disse:

    Apesar de uma reflexão muito oportuna, a tradução do artigo está truncada em alguns pontos. Inclusive, no penúltimo parágrafo, deixou-se o texto original em inglês. A propósito, uma tradução melhor para “bowback” seria “tiro pela culatra” e não revertério.

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