O show dos palhaços tristes

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Sobre o curioso sucesso crítico e popular de “O Palhaço”, filme com uma triste visão do humor e do cinema.

Por Bruno Carmelo, do Discurso-Imagem.

 

Assistir a este longa brasileiro depois de longos meses de exibição pode apresentar algumas dificuldades. É complicado escapar à repercussão da mídia, aos prêmios, ao grande número de rankings “melhores de 2011” em que O Palhaço figurou. Falaram em “maturidade artística” do diretor e ator Selton Mello, em “ator completo”, em alguém que teria um código de ética exemplar durante as filmagens, respeitando todos ao redor. Alguém que teria conseguido conciliar crítica e público numa produção de orçamento modesto.

Mas existe também o filme em si, o material que precedeu todas estas frases e prêmios e que, por uma razão desconhecida, chegou até este grande reconhecimento do público. A surpresa inicial não é com a baixa qualidade da obra, mas com esta imagem e esta sociedade que quase nunca se vê no cinema brasileiro. Se em Feliz Natal a burguesia brasileira era enquadrada como num filme da argentina Lucrécia Martel, o lado circense desta segunda realização levou o diretor a uma estética muito mais fantasista, ilusória.

Pelo menos metade dos planos fizeram pensar diretamente em Wes Anderson e seus Viagem à Darjeeling Limited, Os Excêntricos Tenenbaums e outros, e fica difícil imaginar que o diretor não tenha se inspirado diretamente deste humor mágico-patético. As regras andersonianas estão todas lá: o conjunto de seres depressivos em busca de um lugar na sociedade, a conjunto que se posiciona no exato centro do quadro, olhando em direção à câmera, enquanto frases curtas e de uma comicidade agridoce são proferidas em cadeia. Em Darjeeling, os irmãos infelizes faziam piadas sobre o cinto usado por um deles; em O Palhaço, existem piadas de sutiã, de desodorante, de cachorro. Ferrugem, Moacyr Franco e Tony Tonelada são alguns destes personagens irreais que expandem a noção de circo e de espetáculo para toda a população.

à direita: O Palhaço / à esquerda: Os Excêntricos Tenenbaums

Assim, esta comédia é fundada essencialmente por frases deslocadas, personagens irreverentes, impertinentes, estabanados. Algumas imagens são criadas apenas pelo potencial cômico, sem relevância ao roteiro, como o músico da trupe que observa um quadro de cervo, e o homem e o animal superpostos dão a impressão de que os chifres estão na cabeça do músico. A dinâmica é singela, e talvez justificada pelo próprio tema circense, pela obrigatoriedade a entreter, a fazer sorrir.

Como poderia se esperar de uma produção agridoce, a evidente comicidade de todos os protagonistas contrasta com a tristeza do palhaço, o protagonista – o diretor, roteirista, ator e montador Selton Mello. Contrariamente ao Pierrot trágico (“Ria, palhaço, do seu coração partido / Ria da tristeza que envenena seu coração”, dizia a ópera), este palhaço pós-moderno é apenas depressivo, egocêntrico, e sua tristeza é toda pessoal. Por razões desconhecidas, ele está em crise de identidade, perdeu a vontade de ser palhaço.

“Eu não consigo mais”, ele diz ao pai, e o espectador pode se perguntar o porquê, sem que as respostas venham. A depressão, o stress e essas condições médicas modernas parecem bastar por si mesmas, elas nunca precisam de causa ou de consequência, o que as torna um elemento narrativo tão útil ao cinema quanto um câncer, que pode subitamente atingir qualquer personagem quando a história busca um grau superior de dramaticidade. Tanto a depressão do palhaço quanto sua relação ambígua com o pai, ou com o símbolo do ventilador, são deixados em suspenso, à interpretação do espectador.

Isto dá a impressão de que os personagens secundários, em sua simplicidade esquemática (uma é ladra e manipuladora, outro é tolo e influenciável etc.) têm pelo menos o mérito de escaparem a esta construção de personagens que acredita que a profundidade mora numa eterna tristeza, complexa demais para ser explicitada ou desenvolvida. Então Selton Mello espreme os olhos, fala de modo infantilóide, agita as mãos como um boneco sem vida. A tristeza pretende se passar por complexidade psicológica, da mesma maneira que as imagens, de um aspecto incrivelmente convencional e acadêmico, esquecem que a magia do circo poderia estar não só no roteiro, mas também (e principalmente) na forma.

O Palhaço termina sendo um filme “correto”, numa conotação sobretudo negativa: o diretor sabe posicionar uma câmera, sabe copiar referências cinematográficas, mas seus personagens, como parentes distantes e pobres dos burgueses arrogantes de Feliz Natal, são todos rasos, acessórios, meros receptáculos de alegria (os coadjuvantes) ou de tristeza (o palhaço). Como na lógica simples do humor circense, este filme também funciona na sucessão entre o riso e o choro – e vale lembrar que o fato de “despertar emoções” é considerado até hoje uma qualidade cinematográfica por muitas pessoas. Por isto estes palhaços, tanto os que moram dentro ou fora do circo, sorriem, fazem tudo para agradar o público, sendo apenas marionetes sem vida, personagens sem história, espetáculo pelo espetáculo.

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O Palhaço (2011)

Filme brasileiro dirigido por Selton Mello.

Com Selton Mello, Paulo José, Larissa Manoela, Giselle Motta, Teuda Bara, Álamo Facó, Erom Cordeiro, Hossem Minussi, Fabiana Karla.

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