Viveret: Diante do abismo, a “sobriedade feliz”

Para o filósofo do altermundismo, enfrentar a sociedade de consumo requer investir na criação e na qualidade dos vínculos afetivos. E, diante do colapso climático, viver com menos e com mais sentido coletivo — e repensar como a riqueza é medida

Foto publicada pelo site Rendez Vous des Futurs.
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Por Patrick Viveret em entrevista a Yann Saint-Sernin para Sud-Ouest | Tradução: Maurício Ayer

Yann Saint-Sernin – Você foi um dos propositores do conceito de “sobriedade feliz” que estruturou parte do movimento altermundialista e ambientalista no início dos anos 2000. Como você o definiria?

Patrick Viveret – A “sobriedade” é o oposto da embriaguez, do excesso, seja na forma econômica com o “sempre mais”, na forma do poder com o autoritarismo, ou mesmo espiritualmente com o fanatismo. Adicionar a palavra “feliz” significa que só podemos progredir em direção a “menos bens” se progredirmos na qualidade dos vínculos sociais e dos sentidos. A nossa sociedade compensa a falta de vínculo e de sentido com os efeitos do excesso de consumo. Essa noção é bastante atual porque se, por razões ecológicas, já não podemos nos dar ao luxo de consumir excessivamente, temos de melhorar a qualidade dos vínculos.

Não será esta uma utopia para os “ricos”?

A primeira condição dessa ideia é a justiça social. Avançar para menos bens só é possível se não existirem grupos de pessoas que estejam abaixo de um limiar que permita esta redução. Portanto, a questão das desigualdades torna-se central, caso contrário a sobriedade pareceria estar reservada às pessoas que têm meios para serem parcimoniosas!

Para muitos, a sobriedade continua ligada à frustração…

Vamos substituir o termo sobriedade pelo de saciedade. O consumo excessivo parece então ser uma forma de abuso. Há alguns anos, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento calculou que os orçamentos anuais para armas, drogas ou publicidade representavam um valor várias vezes maior do que o montante de recursos que permitiria resolver os problemas da fome ou do acesso à água em escala planetária.

Estamos no período de festas de fim de ano [a entrevista foi feita em dezembro de 2023], que são, nas nossas sociedades, enormes rituais de consumo. Isso não lhe dá desespero?

Devemos pensar em termos de metamorfose e não de transição. Se pensarmos em transição, rapidamente ficamos deprimidos pela lentidão com que as coisas estão acontecendo. A metamorfose permite-nos compreender as fases regressivas, incluindo a negação ou a tensão, como a lei de imigração [na França foi recentemente votada uma lei reacionária anti-imigração], porque não são o fim da história. A questão toda é que o caos não é destrutivo, mas criativo.

Você até fala sobre uma dupla perturbação climática…

Há um aquecimento físico e, ao mesmo tempo, uma glaciação emocional. Esta última resulta num aumento do ódio, da intolerância e da procura de bodes expiatórios. Certamente estamos imersos nisso. Os verdadeiros desafios exigem inteligência criativa, um aumento em solidariedade e sabedoria.

No entanto, em um primeiro momento, a estupidez e a maldade cumprem funções emocionais importantes. A estupidez facilita as coisas, por exemplo, culpando os estrangeiros. A maldade dá a ilusão de que, ao eliminar o outro, eliminaremos o problema que nos oprime. É claro que, em vez de resolver os problemas, nós os pioramos. Mas também precisamos de atores que antevejam os fracassos da lógica da estupidez e da maldade.

O altermundialismo, que mudou muito desde o Fórum Social Mundial de Porto Alegre em 2001, ainda faz parte do radicalismo criativo que você promove?

O que descrevo atravessa todos os movimentos, incluindo o altermundialismo. Este último é em si uma conjunção de vários movimentos, alguns dos quais estão mais próximos do altermundialismo. Refiro-me sempre ao significado etimológico do termo, ou seja, à necessidade de pensar a globalização (ou mundialização). Isto é o que [o filósofo e poeta martinicano] Édouard Glissant chamou de “mundialidade” e que encontra a sua ilustração na questão ecológica. Para isso, atribuo muita importância a questões como a construção das divergências e o tratamento das controvérsias. Como podemos transformar a violência em conflito e os inimigos em adversários? O inimigo é aquele de quem buscamos a erradicação, enquanto o adversário é aquele que enfrentamos. Não é a mesma coisa. Isto exige ir além da simplificação dos mecanismos.

Alguns ativistas consideram que já é tarde para isso e que hoje, face à emergência climática, a sobriedade deve ser imposta, se necessário pela violência…

É necessário ser preciso. Utilizo o termo violência no sentido estrito, quando é dirigido contra pessoas. Danos materiais e sabotagem são outra coisa. Quando o Ministro do Interior, Gérald Darmanin, fala de ecoterrorismo, agrava o problema em vez de o resolver. Assim como, na minha opinião, os ativistas que defendem a violência.

Mas mesmo estes movimentos são forçados a questionar-se sobre a contraprodutividade da sua ação. Não existe uma varinha mágica de violência! Não vejo como a violência ou o despotismo possam resolver a questão ecológica. Também aqui, se pensarmos em termos de metamorfose, a questão é se vislumbramos uma humanidade mais humana ou uma regressão.

Como seria um mundo de sobriedade feliz?

É uma arte de bem viver. Uma vida que faça sentido, com uma alta qualidade de relações, que não esteja aprisionada em uma relação de guerra com a natureza e os demais seres vivos, mas, pelo contrário, que se sinta parte dela e se maravilhe com ela. Uma vida que organize a maior justiça social para que todos tenham acesso a esta possibilidade e que as diferenças não se tornem fonte de guerra. Não é utópico, isso já se realizou. As sociedades que se recuperaram da Segunda Guerra Mundial, a resiliência após Auschwitz e Hiroshima, tudo isso só foi possível porque fomos nessa direção. E isso parou na década de 1980, quando o ultracapitalismo quebrou os principais mecanismos de regulação econômica e financeira.

Você está tomando como referência uma época que vivia do mito do crescimento infinito. Não é lá muito sóbrio…

É verdade, a questão ecológica estava ausente naquela época. Isto não significa que devemos pensar em termos de decrescimento, mas que devemos mudar a forma como pensamos e medimos a riqueza. É um absurdo que possamos, num indicador como o PIB, confundir atividades úteis com atividades absolutamente prejudiciais, como os combustíveis fósseis. Como tal, devemos ter cuidado com a novilíngua econômica que nos encerra em palavras que acabam por se tornar arapucas. Quando estive no Tribunal de Contas nunca deixei de questionar a palavra “benefício” [em francês, ele utiliza a palavra “bénéfice”, que é um sinônimo de “lucro”]. “Tem que pesar os prós e contras”, diziam-me meus colegas. Mas o significado profundo de “benefício” nada tem de monetário, trata-se de designar uma atividade benéfica. O primeiro desafio da contabilidade consciente seria o discernimento entre o benéfico e o prejudicial. E para levar a cabo esta deliberação, só uma assembleia democrática é legítima.

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