Existe trabalho involuntário?

Parte da libertação de si mesmo—e da plenitude—talvez esteja em saber o que realmente precisamos. A escolha é nossa

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Parte da libertação de si mesmo—e da plenitude—talvez esteja em saber o que realmente precisamos. A escolha é nossa

Por Carolina Lemos Coimbra

“Este trabalho que você está fazendo é voluntário, não é?” A pergunta chegou até mim um dia desses. E, fugindo do lugar comum de não investigar e não utilizar conscientemente as palavras que pronuncio, devolvi com outra pergunta: “O que é voluntário pra você? Se eu responder ‘não’, você vai entender que faço involuntariamente esta atividade, ou seja, que não escolho realizá-la?”

Presumo que a pessoa que me fez esta pergunta se referia à mesma definição para a palavra “voluntário” que utiliza a Organização das Nações Unidas: “Jovem ou adulto que, devido a seu interesse pessoal e ao seu espírito cívico, dedica parte do seu tempo, sem remuneração alguma, a diversas formas de atividades, organizadas ou não, de bem estar social, ou outros campos.”

A questão da remuneração escolho deixar para um próximo texto, em que falaremos sobre dinheiro. Por ora, os convido a investigar a palavra “voluntário”. Ela vem do latim voluntarius, “de própria vontade”, de voluntas, “vontade, desejo”, de velle, “querer”. Isto posto, vem a pergunta: o que fazemos que é voluntário, ou seja, de vontade própria?

Conheço gente que passa a maior parte do seu dia (e, porque não dizer, da sua vida) fazendo o que não quer, o que não tem vontade. Faz porque acredita que é obrigada a fazer — e eu me pego nesta armadilha também. Um dos maiores exemplos que conheço é em relação ao que chamamos trabalho ou emprego. Quem ainda não ouviu ou proferiu: “Não gosto do que faço, mas preciso pagar as contas”?

Li uma vez sobre um livro chamado Absurdos Evidentes. Uma das imagens deste livro é a de um homem carregando uma casa nas costas. Quanta coisa carregamos sem investigar o que nos move a fazê-lo?

Aí vejo amigos criticando chefes e reclamando da vida e me pergunto: qual a escolha que eles têm? Parece que, para eles, nenhuma. Parece que, para eles, as coisas simplesmente acontecem, “a vida é assim”. Mas quem é responsável se a vida é assim? Se ela não muda, não está sendo construída, não tem possibilidade de mudança. Se não somos nós, quem é então que vive nossa vida e muda a nossa vida?

Escolhas 

Há aproximadamente um ano decidi fazer só o que eu quero fazer. Só fazer o que me dá vontade. Parece impossível e improvável, né?

Não vou dizer aqui que é tarefa das mais fáceis. Decidir fazer não é o mesmo que fazer. Muitas vezes, quando me dou conta… lá estou eu novamente fazendo algo que não quero. E como fui parar lá? Percebo que não sei, “sumi” durante um tempo, que estava dormindo (mesmo com olhos abertos) e acabei ali — fazendo algo que “me aconteceu”.

Outras vezes, percebo que contrariei minhas vontades porque estava com medo. Medo de magoar, de não ser querida, aceita, amada. E buscando isso de uma forma na qual presumo que, para ter isso, preciso ser outra pessoa que não eu mesma.

O desafio, para mim, tem sido estar conectada comigo mesma, com a minha verdade, valores e necessidades. Com a vida que pulsa em mim e através de mim. Quando consigo, conheço o que preciso fazer e tenho condições de assumir a responsabilidade e as consequências que decorrem da minha vontade.

Imagine como será a sua vida quando você escolher cada uma de suas ações, quando elas forem voluntárias. A partir de hoje me dá vontade de decretar que todos os trabalhos são voluntários porque as pessoas escolhem fazê-los e os fazem por vontade própria. Mas não me sinto segura, porque não confio que as pessoas de fato os escolham.

Vejo todo o potencial que haveria se eu fizesse tudo o que quero e fico imaginando todas as pessoas no mundo fazendo o que nasceram para fazer e escolhendo viver seu tempo fazendo o que mais lhes toca o coração e a alma. Fazendo o que precisam fazer e pronto.

Acreditei durante muito tempo que eu deveria fazer certas coisas, que era obrigada a fazer. Muita energia, amor, alegria e diversão desperdiçados. Muita vida trocada por manter as aparências.

É claro para mim que manter as aparências e continuar fazendo aquilo que a gente não quer cuida de algumas coisas. Cuida de manter as coisas como estão (para que a gente continue dizendo que elas são assim) e para que a gente tenha segurança e proteção. Acontece que não estou mais disposta a pagar com toda a vida que tenho em mim por essa segurança e proteção. Quero sim segurança e proteção, mas quero também vida.

E já ouço alguém dentro de mim dizendo: “Mas isso seria um caos, minha filha! Cada um fazendo apenas o que quer! Aff! Ninguém respeitaria ninguém!”. E converso com essa voz, perguntando: Será? Porque, talvez, se nos responsabilizamos por nossas escolhas, aí também vêm juntos o respeito, o cuidado e o carinho — que fazem parte da dança da mudança.

Claro que há riscos. O dindim no banco vai diminuindo (o que não significa que será assim pra sempre, já que tudo muda), mas junto com isso volto a reconhecer a palavra comunidade. Volto a reconhecer que preciso de ajuda e de apoio. Volto a olhar para os lados e reconhecer seres humanos. E volto a sorrir e agradecer cada instante livre da minha vida com outras pessoas que também estão buscando sua libertação. E também com quem não a busca, mas que eu escolho estar junto.

Algumas escolhas que a vida me oferta não gosto nem um pouco. Mas só de lembrar e reconhecer que existe escolha. Então percebo o poder que tenho em estar voluntariamente fazendo algo. E um milhão de oportunidades e de outras formas de viver se abrem — imprevisíveis e inimagináveis. É como ouvi de uma amiga: “Ainda bem que não saiu como imaginamos, porque nossa imaginação vê tão pouco às vezes. Ainda bem que a vida nos surpreende.”

E aí quero que a vida que pulsa em mim me surpreenda mais e mais e quero estar atenta para ouvir o que ela me diz para eu fazer. E quero fazer.

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Carolina Lemos Coimbra está investigando as relações entre Educação, Comunicação e Não-Violência, especialmente em si mesma. Pode ser encontrada pelo e-mail [email protected], em seu blogue Ato Vivo, nas ruas e nesses textos

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4 comentários para "Existe trabalho involuntário?"

  1. Patrícia disse:

    É isso Carol. Exatamente o que eu penso e o que estou tentando fazer da minha vida. A cada dia um novo passo, uma nova libertação dos paradigmas do mundo. Pq a nossa vida deve ser baseada em estudar, trabalhar, especializar, crescer e ter muito dinheiro? E a felicidade? Nunca está no caminho em que trilhamos para a nossa vida? As pessoas cada vez mais prorrogam a sua felicidade ” ahh, quando eu aposentar eu faço isso… ” Pq não faz agora? Eu quero é ser feliz e fazer o que eu me sinto bem fazendo! Não me importa se eu vou ganhar muito menos e se minha vida terá que ser mais simples. Eu sempre falo para as pessoas “Se vc não tivesse que pagar conta na sua vida, em que você trabalharia?” Espero que essa pergunta abra a mente de muitos. Depois procure conhecer uma comunidade chamada Piracanga! É linda! Há vídeos no YouTube!

  2. Maíra Soares disse:

    Carol,
    estou com a Patrícia, belíssimo texto, estou totalmente de acordo. O único responsável por nossa condiçao somos nós mesmos, o duro é que grande parte nao descobre isso a tempo de mudar seu caminho, se apropriar da própria história. viva a possibilidade de escolhas. nao é o caminho mais “fácil”, mas certamente o mais gratificante.
    bjos saudosos
    Ma

  3. PATRICIA disse:

    Apenas queria te dar os parabéns, parece que esse texto foi escrito por mim, pois é exatamente essa minha posição na vida. Custa muito caro mas eu estou disposta a pagar! Ótimo conhecer mais pessoas assim!

  4. Renan disse:

    O duro é que somos ensinados? Talvez inclinados a viver nossas vidas sem nos questionar se estamos sendo sinceros com a nossa vontade, no velho sistema da recompensa e castigo.
    Na infância fazemos as coisas temendo a repreensão dos pais, estes que deis de sempre fazem uso de recompensas para facilitar disciplinação dos filhos. Na escola, mais uma vez somos submetidos a uma dura rotina de aprendizado? aonde tememos ter de prestar contas ao nossos pais por maus resultados e somos recompensados com boas notas, em um sistema aonde a vontade do aluno é ignorada. A busca por resultados é tudo e o aluno é industrializado ao longo do processo que chamamos de processo educacional.
    Na religião, tememos o castigo divino e buscamos a redenção, no trabalho buscamos o salário e assim é em quase tudo na vida.
    Isso gera uma falta de sinceridade habitual em tudo o que fazemos, o sistema nos ensina a não impor nossa vontade ao decorrer de nossas vidas; aprendemos que a nossa vontade pouco importa. O que é claro, é um absurdo.

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