À la brésilienne

“Não diria ‘mudar’. Vamos ‘humanizar’ a regra. É mais bonito e cai bem na França, onde vocês adoram uma filosofiazinha”

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Por Daniel Cariello, de Chéri à Paris

– Je suis désolé, monsieur, mas isso não pode ser feito.

– Como assim, não dá?

– C’est pas possible.

– Não dá pra dar um jeitinho?

– Como assim, um jeitinho?

– Um jeitinho é uma maneira brasileira de resolver o que não pode ser resolvido. Mas não significa, no entanto, que a coisa será definitivamente resolvida.

– Você está me dizendo que você quer que eu invente uma solução para algo aparentemente insolúvel e no fim das contas ela não vai solucionar o problema?

– Vai resolver o meu problema, que é a questão nesse momento.

– Mais c’est incroyable!

– Eu também acho. Inacreditavelmente simples, né? Estamos acertados?

– C’est incroyable a sua cara de pau. Você quer que eu mude as regras para se adaptarem às suas necessidades!

– Eu não diria “mudar”. Vamos trocar por “humanizar”. É mais bonito e cai super bem na França, onde vocês adoram uma filosofiazinha.

– Então, pela sua lógica, se eu tirasse a sua multa eu seria mais humano?

– Duplamente. Fazendo esse favor, você se mostraria uma pessoa melhor e de quebra ainda ganharia um amigo.

– Quem?

– Euzinho.

– Mas eu não quero sua amizade.

– Como assim?

– Eu nem sei quem é você.

– Antônio, a seu serviço.

– Não quero ser seu amigo, Antoniô.

– Puxa, tá bom…

– Ei, também não precisa chorar.

– Vocês, franceses, são muito frios. Bem que minha mãe me disse pra não vir pra cá, que o Brasil era muito melhor, que a torre de Brasília era muito mais bonita que a Eiffel, que a poluição do Tietê era muito mais escura que a do Sena, que…

– Calma, Antoniô. Vamos fazer o seguinte: pra você parar de me perturbar, eu finjo que não vi o seu carro e você vai embora daqui, ok?

– Jura que você vai fazer isso por mim?

– Juro.

– Você não imagina como fico feliz! Pra agradecer, te convido a ir lá em casa hoje à noite. Vai ter feijoada com caipirinha.

– Hmmm, adoro caipirinha, mas não sei se devo.

– Deve, deve. Afinal, somos amigos ou não?

– Somos?

– Claro que somos!

– Bom, d’accord. Vou aceitar o convite.

– Feito. Passa lá às 20 horas. Não precisa levar nada. Beijomeliga!

Vrummm.

– Antoniô, você não me deu o endereço. Antoniô!!!

Daniel Cariello, editor da revista Brazuca, é colaborador regular daBiblioteca Diplô/Outras Palavras. Escreve a coluna Chéri à Paris, uma crônica semanal que vê a cidade com olhar brasileiro. Os textos publicados entre março de 2008 e março de 2009 podem ser acessados aqui.

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Um comentario para "À la brésilienne"

  1. André disse:

    Hahahaha… típico

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