A rendição de Obama e o desastre

O acordo para elevação da dívida dos EUA deprimirá economia. Pior: ele revela que congressistas de extrema-direita ditam agenda política

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O acordo para elevação da dívida dos EUA deprimirá economia. Pior: ele revela que congressistas de extrema-direita estão ditando agenda política

Por Paul Krugman | Tradução: Antonio Martins

Um acordo para elevar o teto da dívida federal dos Estados Unidos está em votação. Se for aprovado, muitos comentaristas irão declarar que o desastre foi evitado. Eles estarão errados.

Porque o acordo é, em si mesmo, um desastre, e não apenas para o presidente Obama e seu partido. Ele vai afetar uma economia já deprimida; ele provavelmente tornará o problema do déficit norte-americano pior, no longo prazo; e, mais importante, ao demonstrar que a extorsão crua funciona e não tem custos políticos, ele aproximará os Estados Unidos das repúblicas de bananas.

Comecemos com os aspectos econômicos. Temos atualmente uma economia deprimida. Quase certamente continuaremos nesta condição durante todo o próximo ano e ao longo de 2013, ou mesmo além.

A pior coisa que se pode fazer em tais circunstâncias é cortar o gasto governamental, porque isso deprime ainda mais a economia. Não dê ouvidos os que invocam a fada da confiança, afirmando que uma atitude dura em relação ao orçamento tranquilizará as empresas e consumidores, levando-os a gastar mais. Não é assim que funciona, como demonstram inúmeros estudos do retrospecto histórico.

Na verdade, cortar os gastos quando a economia está deprimida não servirá sequer para melhorar muito a situação do Orçamento, e pode inclusive agravá-la. Por um lado, as taxas de juros pagas pelo Tesouro já estão muito baixas; portanto, os cortes terão pouco poder para reduzir futuros custos com juros. Além disso, enfraquecer a economia tornará piores as perspectivas de longo prazo, o que reduzirá a arrecadação futura. Quem reivindica redução de despesas agora age como os médicos medievais, que tratavam os doentes sangrando-os e, assim, enfraquecendo-os ainda mais.

Além disso, os termos do acordo equivalem a uma rendição abjeta por parte do presidente. Primeiro, haverá grandes cortes de despesas, sem aumento da arrecadação. Em seguida, um painel [de parlamentares] fará recomendações para mais redução do déficit. Se não forem aceitas, desencadearão novos cortes automáticos de gastos.

Supostamente, o Partido Republicano terá um incentivo para fazer concessões na próxima rodada, porque os gastos com as forças armadas estarão entre os que ficam sujeitos a cortes. Mas os republicanos acabam de demonstrar que estão dispostos a levar o país à beira do colapso financeiro, para obter tudo que seus membros mais extremistas pedem. Por que esperar que sejam mais razoáveis da próxima vez?

Os republicanos estarão, na verdade, fortalecidos pela forma como Obama continua curvando-se diante de suas ameaças. Ele rendeu-se em dezembro passado, ao prolongar os cortes de impostos de Bush [para os mais ricos]. Rendeu-se na primavera [outono brasileiro], quando eles ameaçaram fechar o governo. E agora rendeu-se em grande escala para a extorsão pura sobre o teto da dívida. Talvez seja só eu, mas vejo aqui um padrão.

O presidente tinha outra alternativa desta vez? Sim.

Primeiro, ele poderia e deveria ter requerido um aumento do teto de endividamento em dezembro [durante as negociações sobre impostos]. Quando lhe perguntaram por que não o fez, respondeu estar certo de que os republicanos agiriam com responsabilidade. Grande palpite.

E mesmo agora, o governo Obama poderia ter recorrido a argumentos legais para contornar o teto da dívida, utilizando-se de distintas opções. Em circunstâncias normais, teria sido um passo extremo. Mas diante do que está ocorrendo – repito: extorsão pura, realizada por um partido que controla apenas uma das casas do Congresso –, teria sido totalmente justificável.

No mínimo, Obama poderia ter usado a possibilidade de uma disputa legal para fortalecer seu poder de barganha. Ao invés disso, ele afastou todas estas opções desde o início.

Mas adotar uma posição dura não teria afligido os mercados? Provavelmente, não. Se eu fosse um investidor, teria me sentido protegido, e não afetado, por uma demonstração de que o presidente tem vontade e capacidade de resistir a chantagem da parte de extremistas de direita. Ele preferiu demonstrar o contrário.

Não nos enganemos: estamos testemunhando uma catástrofe em múltiplos níveis.

É, claro, uma catástrofe política para os democratas, que há poucas semanas pareciam ter colocado os republicanos na defensiva, ao expor seu plano de desmontar o [programa público de assistência médica] Medicare. Agora, Obama anulou esta vantagem. E o estrago não é só esse: haverá mais pontos cruciais em que os republicanos ameaçarão criar uma crise a menos que o presidente se renda. Agora, elas podem agir na expectativa confiante de que ele irá fazê-lo.

No longo prazo, porém, os democratas não serão os únicos perdedores. O que os republicanos acabam de conseguir coloca todo nosso sistema de governo em questão. Como a democracia americana poderá funcionar, se o partido que estiver mais preparado para ser implacável, a ponto de ameaçar a segurança econômica da nação, puder ditar os rumos da política? A resposta é: talvez ela não possa.

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4 comentários para "A rendição de Obama e o desastre"

  1. guilherme disse:

    guilherme da sival martinis

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