Cada um no seu quadrado

Encolhidos diante da crise, governos europeus fazem do imigrante bode expiatório e debatem limites à livre circulação nas fronteiras

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Por Luis F. C. Nagao

Em 1990, a União Europeia (UE) surpreendeu o mundo, ao diminuir a burocracia para passar pelas fronteiras internas. Em sintonia com a globalização, a medida — um desdobramento do chamado Acordo de Schengen — foi tida, ao mesmo tempo, como sinal de que algo positivo diferenciava os europeus do resto do mundo. No Velho Continente, não eram só as mercadorias que circulavam sem barreiras. Cidadãos de qualquer parte do bloco podiam buscar trabalho – ou se estabelecer por conta própria – nas áreas mais ricas de uma Europa então próspera e autoconfiante.

Agora, esta conquista está ameaçada. A recente chegada de  25 mil refugiados do norte africano reabriu o debate da livre circulação de pessoas. Em 24 de junho, os chefes de Estado da UE farão, em Bruxelas, reunião de cúpula para discutir uma possível revisão das normas de Schengen.  O objetivo claro é restringir a circulação de imigrantes pobres. O debate ocorre no momento que a região está marcada por contínuas medidas de austeridade e a forte presença de governos nacionalistas.  Alguns países já tomaram medidas unilaterais.

Os levantes políticos no mundo árabe  têm trazido refugiados africanos para a Europa. Ao mesmo tempo, a zona do euro ainda sofre  as consequências da crise de 2008 e segue o receituário do FMI — que recomenda ataque as serviços públicos. Este quadro delicado de contenção de gastos e aumento do fluxo imigratório tem causado fricções entre. O primeiro incidente ocorreu em meados de abril, quando a França bloqueou sua fronteira com a Itália, evitando a entrada, em seu território, do chamado “trem da dignidade (ver a matéria em Outras Palavras). Após essa primeira tensão, os governos de Itália e França superaram uma breve crise diplomática e deram as primeiras mostras de querer alterar o Schengen, alterando o controle externo e interno das fronteiras numa região que abarca mais de 400 milhões de pessoas em 22 países europeus. Questionamentos sobre a liberdade de movimentação no continente vieram à tona e governos nacionalistas começaram a agir.

Bélgica e Holanda adotaram medidas de controle nos seus  aeroportos internacionais. No caso holandês há um avanço do xenófobo Partido pela Liberdade, que ocupa 15 das 150 cadeiras na Câmera dos Deputados. Seu líder, Geert Wilders, já faz campanhas aberta contra os muçulmanos. É autor do slogan “Henk e Ingrid estão pagando para Ali e Fatima”. Parte da população teme a presença de comunidades de imigrantes provenientes do Marrocos e da Turquia no país.

Na Dinamarca, o caso é ainda mais grave. Sob a falsa justificativa de combate às drogas, tráfico humano e dinheiro contrabandeado, o governo aumentou o controle aduaneiro das fronteiras.  O combate ao suposto fluxo de criminosos vindos do Leste Europeu esconde uma política de violação do Acordo de Schengen. No dia 13/5, José Manuel Barroso, chefe da Comissão Europeia, enviou carta a primeira-Ministra Lars Lekke Rasmussen, questionando as medidas adotadas. Lembrou que são incompatíveis com o princípio da livre movimentação de pessoas – e, por isso, ilegais. O governo negou a infração e foi adiante. Fala em reintroduzir controles e até o final do ano quer disponibilizar €4.7 milhões adicionais para policiais e oficiais aduaneiros.

Dos 27 estados-membros da União Européia, 18 têm governantes favoráveis a rever as normas de Schengen. Alemanha  e França são  defensores dessa reforma. Na Itália, há um campanha anti-imigração encabeçada pelo ministro do interior, Robert Maroni, membro da xenófoba Liga do Norte, que faz parte da coalizão de Berlusconi. Na França, Sarkozy utiliza a mesma política para se aproximar do eleitorado da Frente Nacional. Por outro lado, a Espanha é contrária. Para o ministro do Interior, Alfredo Pérez Rubalcaba, o Acordo de Schengen “é um regime de liberdade a que Espanha não está disposta a renunciar de maneira alguma”.

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