Da crise econômica ao suicídio guarani

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Flávio Dieguez, Fabiane Borges e Verenilde Santos estréiam no Caderno Brasil

Temas freqüentes no noticiário dos jornais, os solavancos financeiros dos últimos meses e as mortes que os índios guaranis do Mato Grosso impõem a si mesmos são vistos por um novo ângulo, em textos publicados nos últimos dias, no Caderno Brasil do Le Monde Diplomatique. Os artigos marcam a estréia de duas colaboradoras a indigenista (e também jornalista) Verenilde Santos e a psicóloga e pesquisadora da linguagem Fabiane Borges e um novo colunista — o tarimbado jornalista Flávio Dieguez.

Dieguez está preocupado em ir além da cobertura banal da mídia, que trata cada nova queda ou recuperação dos mercados como um novo espetáculo — mas se recusa a investigar em profundidade as causas do vendaval. Em seu primeiro texto, ele ensaia uma explicação. A crise pode estar relacionada com o enorme aumento da desigualdade no planeta, ao longo das décadas neoliberais. A coluna tem dados sobre os EUA, epicentro das turbulências. Lá, a concentração de renda, que havia declinado suavemente, entre a II Guerra Mundial e os anos 1970, acentuou-se com rapidez, desde então. Já é igual à da grande crise de 1929. Uma parcela mínima da população — o 1% mais rico — detém 20% da renda (duas vezes mais que em 1973). Em contrapartida, 10% dos norte-americanos vive na pobreza ou na miséria. O empobrecimento relativo levou tanto os “de baixo” quanto as camadas médias a recorrer a uma espiral de dívidas — que, ao se romper, provoca quebradeiras e ameaça a economia.

Dieguez continuará estudando a crise, com a profundidade que pauta sua atuação profissional há quase 35 anos. Editor internacional de Movimento, a mais importante publicação de resistência à ditadura (entre 1975 e 81), ele construiu, mais tarde, uma carreira premiada como redator e editor de Ciência. Esteve em Ciência Ilustrada, IstoÉ e Retrato do Brasil. Foi um dos criadores de Superinteressante, na época em que a revista inaugurou um novo padrão em seu gênero, buscando informação rigorosamente jornalística e desprezando tanto a mera divulgação quanto a entrada de especulações e misticismos então comuns. Sua coluna sairá quinzenalmente no Caderno Brasil, às quintas-feiras. A próxima edição vai ao ar dia 27.

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Embora presente na mídia, a multiplicação dos suicídios entre os guaranis — um grande desastre étnico do Brasil contemporâneo — é, em geral, tratada de forma burocrática. Sucessivas reportagens apresentam os fatos como mera desistência da vida, diante da pobreza e da discriminação. A sensibilidade e o conhecimento de Fabiane Borges e Verenilde Santos as levaram além. Na reportagem que publicam, resultado de uma viagem ao Mato Grosso, elas enxergam, por exemplo, que os suicídios são também rito, protesto e performance. Têm um nome específico: jejuvy: aperto na garganta, voz aniquilada, impossibilidade de dizer, alma presa. Muitos dos que o praticam (já são cinqüenta mortes assim, ao ano) fazem após banhar-se e se perfumar. Os métodos usados (enforcamento ou envenenamento) procuram evitar que se disperse a palavra dos mortos, que os guaranis associam à alma.

E a alma guarani está dilacerada porque o roubo de suas terras, praticado por homens brancos, amontoou-os em periferias longe da selva; privou-os das casas coletivas, tornou impossíveis os ritos do plantio, da colheita, as sagas coletivas de caça e pesca. Mesmo assim, resistem, e não só por meio dos jejuvys. Fabiane e Verenilde narram os rituais que persistem, as velhas índias que não morrem antes de transmiti-los a seus descendentes. O artigo convoca: está em curso uma campanha pela reconquista das terras e de vida digna. As autoras avisam: “Estes indígenas desejam mais do que serem incluídos na pasmaceira da biopolítica globalizada, na miserabilidade imposta pela política neoliberal. É uma forma de vida que não se contenta com a sobrevivência miserável do branco ou do índio. Não se trata de inclusão indígena na sociedade nacional, mas da mobilização da sociedade para a retomada das terras indígenas para colaborar no processo desse outro índio que o próprio índio não sabe e tem que devir”.

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Um comentario para "Da crise econômica ao suicídio guarani"

  1. Namara Gurupy disse:

    os guaranis kaywás estão na ALDEIA MARACANÃ.

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